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Monday, March 27, 2023

Vício em games: entenda o transtorno de Theo, da novela ‘Travessia’ - Marie Claire Brasil

Um dos enredos que está dando o que falar na novela Travessia é o de Theo (Ricardo Silva), adolescente viciado em games. O menino passa o dia conectado no computador e tem um comportamento agressivo quando é afastado do equipamento. Os pais do garoto já entenderam que o problema é sério: a dependência em jogos eletrônicos foi classificada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2022.

Mas qual é a fronteira entre jogar bastante, como tantas pessoas fazem, e efetivamente ter um distúrbio relacionado a esse hábito?

Na definição da OMS, o transtorno de jogos eletrônicos é estabelecido quando resulta em um prejuízo significativo para o funcionamento de uma pessoa nas áreas pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou outras esferas importantes. O comportamento precisa ser persistente por pelo menos 12 meses.

Elton Yoji Kanomata, psiquiatra do Hospital Albert Einstein, explica que, como todos os outros transtornos mentais, é necessário que exista uma carga de sofrimento e de impacto negativo na vida para o indivíduo receber um diagnóstico.

Às vezes, o paciente não percebe ou não aceita que a relação com o jogo não está saudável. Quem se dá conta são os familiares e amigos, que inclusive procuram um especialista. Às vezes, a pessoa até reconhece o problema, mas vai protelando a consulta médica e o tratamento.

— Elton Yoji Kanomata, psiquiatra

Não existe especificamente uma quantidade de horas nem tampouco uma frequência para que o hábito seja considerado transtorno. “Assim como na dependência química, o critério mais importante para o diagnóstico é o prejuízo no comportamento da pessoa”, afirma o médico.

O vício em games é considerado como uma dependência comportamental, assim como padrões patológicos relacionados a apostas, bingos e máquinas de caça-níqueis.

De acordo com Elton Yoji Kanomata, estatísticas apontam que a dependência em jogos afeta dois a três homens para cada mulher. No entanto, por algum motivo que a ciência ainda desconhece, elas têm mais risco de desenvolver uma dependência quando começam a jogar do que eles.

O tipo de jogo também difere entre os gêneros. “Estudos epidemiológicos mostram que as mulheres têm mais risco para dependência do que os homens com relação a bingo e caça níquel. Já eles são mais dependentes em modalidades como apostas, corridas de cavalo e games virtuais”, diz.

Sinais da dependência

Um dos sinais comuns da dependência em jogos é o descontrole financeiro. No caso dos games, além do custo eventual do jogo em si, as pessoas são estimuladas a comprar equipamentos à parte, como armas, para obter alguma vantagem.

Os amantes dos jogos eletrônicos também gastam com roupas (skins, no jargão dos gamers) e acessórios para os seus personagens virtuais.

O potencial viciante dos games é muito maior do que no passado. “Antigamente, você comprava o jogo, jogava e pronto. Hoje, muitas vezes é preciso gastar mais para conseguir avançar uma fase. Além disso, as partidas são disputadas por várias pessoas ao mesmo tempo. Para um jogador se destacar, ele precisa comprar os melhores instrumentos”, explica o psiquiatra.

Assim como nas dependências químicas, as comportamentais também têm sintomas de abstinência. “Quando a pessoa é impedida de jogar ou ela própria tenta reduzir ou interromper o hábito, isso gera um grande desconforto psíquico”, aponta o psiquiatra.

Assim como na dependência química, o paciente tenta parar, mas não consegue. Ele fica mais impaciente, inquieto, nervoso, com alto nível de irritabilidade. Alguns podem partir para a agressão física.

— Elton Yoji Kanomata, psiquiatra

Elton Yoji Kanomata aponta que existe um fator genético para os transtornos comportamentais. Indivíduos com um parente de primeiro grau dependente de jogo são mais propensos a desenvolver o mesmo distúrbio.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico da dependência em jogos eletrônicos é clínico, a partir da entrevista do médico com o paciente. Não existe nenhum tipo de exame, laboratorial e de imagem, ou algum marcador biológico que identifique um transtorno de comportamento.

Como muitas vezes o paciente está em negação ou não reconhece que possa ter um distúrbio, é importante que seus familiares e amigos passem informações objetivas ao profissional de saúde.

O tratamento da doença é separado em duas partes: medicamentoso e não medicamentoso, com psicoterapia.

De acordo com Elton Yoji Kanomata, é muito comum que o dependente em jogo tenha outra doença psíquica, principalmente depressão, ansiedade, alcoolismo e alguns tipos de transtornos de personalidade. Por isso, o tratamento deve incluir também essas comorbidades associadas.

“A dúvida é sobre o que veio primeiro, o ovo ou a galinha. Será que a pessoa tinha depressão e utilizou o jogo como uma fuga da realidade? Ou a dependência no jogo favoreceu a depressão?”, pergunta o médico.

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