Sem saber que tinha uma condição rara, a professora aposentada Sirlene Tironi, 61, achava estranho o fato de chorar sem lágrimas, de sentir tantas dores e de ter tido complicações que a fizeram perder nove dentes.
Moradora de Mato Grosso do Sul, Sirlene passou por diversos médicos até descobrir que tem a síndrome de Sjogren, uma doença autoimune que leva à inflamação das glândulas lacrimais e salivares. A seguir, ela conta a sua história:
"Durante 13 anos, sofri com vários sinais e sintomas que pareciam não ter a menor relação entre si. Tinha fraqueza, cansaço, dor muscular, dor nas juntas, manchas roxas nas pernas, infecções, alergias alimentares, problemas dentários, boca e olhos secos e ausência de lágrimas quando chorava.
Ao chorar, meus olhos ficavam vermelhos, ardendo, com coceira e a sensação era a de que eles estavam com areia. Lembro que no enterro da minha avó paterna, fiquei triste com a partida dela, o sentimento era o mesmo das outras pessoas, mas não conseguia chorar com lágrimas como elas.
Um outro sintoma que me incomodava era a secura na boca, por mais líquido que ingerisse, parecia que eu estava sempre desidratada. Devido à baixa salivação, tinha dificuldade de mastigar e engolir alimentos secos.
Por recomendação de um bucomaxilar, colocava abacaxi amassado no canto da boca e fazia gargarejo com água morna e limão para aumentar a salivação.
A falta de saliva também prejudicou a minha dentição por conta da descalcificação. Tinha muitas aftas, ficava com a gengiva inflamada e com os dentes sensíveis a ponto de não conseguir tocá-los.
Em dois anos, tive algumas complicações e precisei extrair nove dentes. Foi um processo doloroso, sofrido e que mexeu com a minha autoestima. Tive que me adaptar e passei a usar ponte móvel.
Um outro problema que tive foi a inflamação das glândulas salivares. Meu rosto ficava inchado, como se estivesse com caxumba. A dor no queixo era incapacitante, não conseguia fazer o movimento de abrir e fechar a boca.
Para me alimentar, precisava tomar suplementos de canudinho. Emagreci bastante nessa época.
Imaginava que tinha alguma doença, mas ninguém descobria o que era. Minha busca por uma resposta me fez ir a vários especialistas diferentes: imunologista, neurologista, alergologista, gastroenterologista, pneumologista, reumatologista, oftalmologista, bucomaxilar, nutricionista e psicólogo.
A questão é que todos esses profissionais tratavam apenas os sintomas, eles pediam exames, mas não faziam uma investigação profunda para identificar a origem do problema.
Um médico chegou a me dizer que eu tinha que me ajudar, tentar melhorar e que tudo isso era coisa da minha cabeça. Na minha própria família, existia uma certa incompreensão em relação a isso. Eles não entendiam o porquê de tantas dores, reclamações e davam palpites do que eu tinha que fazer.
Com o tempo, fui ficando emocionalmente abalada e fisicamente debilitada, mas dentro das minhas limitações tentava reagir mesmo que com dificuldade.
Em 2015, aos 53 anos, fui ao hematologista para tratar um quadro de anemia. Pela primeira vez um médico ouviu todas as minhas queixas e se preocupou em tentar me ajudar. Ele disse que as manifestações que eu apresentava se encaixavam na síndrome de Sjogren, e me indicou passar com um colega reumatologista com experiência nessa área.
Já tinha passado com três reumatologistas, mas arrisquei a passar nesse quarto. Na primeira consulta, senti que ele era um profissional humano e diferenciado. Ele me ouviu, viu os exames que tinha feito e fez uma entrevista bem detalhada sobre o meu histórico de saúde.
O médico, então, me perguntou algo que nenhum outro havia me perguntado: "Alguém na sua família já apresentou ou apresenta os sintomas parecidos com os seus?". Na hora lembrei da minha avó paterna. Ele disse que era 90% de chance de eu ter a síndrome de Sjogren, mas pediu exames complementares para fechar o diagnóstico, o que de fato acabou se confirmando.
A partir daí iniciamos o tratamento com medicação oral, uso de colírio lubrificante para os olhos, aumentei a ingestão de líquidos e passei a fazer atividade física regularmente. De forma geral, meu quadro melhorou e voltei a ter qualidade de vida.
A síndrome de Sjogren é pouco conhecida e muitos pacientes têm vergonha e dificuldade em falar abertamente sobre ela. Com a minha história, espero ajudar outras pessoas que eventualmente tenham a condição, a achar uma luz e um caminho menos sofrido do que o meu para chegar ao diagnóstico e iniciar o tratamento o quanto antes."
O que é a síndrome de Sjogren? É uma doença autoimune que leva à inflamação das glândulas lacrimais e salivares, tendo como consequência a secura dos olhos e da boca. Estes pacientes têm dificuldade de produzir lágrimas e saliva no dia a dia.
- Como existem vários autoanticorpos circulantes, a síndrome pode atingir articulações, músculos, pulmões, pele, sistema gastrointestinal, rins e outros órgãos.
- Até o momento, a causa é desconhecida, no entanto, uma das hipóteses é a de que fatores genéticos e hereditários, hormônios sexuais e certas condições ambientais podem estar envolvidos no processo.
- A outra hipótese é a de que infecções por vírus e alguns tipos de bactérias funcionem como gatilho para desencadear a doença nas pessoas geneticamente predispostas. Vale destacar que mulheres têm uma predisposição maior de desenvolver a síndrome.
- Poucos pacientes podem apresentar comorbidades, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e esclerose sistêmica.
Sintomas. Os mais prevalentes são olhos e boca secas, conhecida como síndrome seca.
- Entretanto, pacientes podem apresentar dores articulares e musculares, lesões de pele (púrpuras, urticárias e pruridos), artrite generalizada não erosiva (sem destruição da articulação), lesões pulmonares (falta de ar) e mucosa vaginal seca.
- Assim como no caso de Sirlene, a síndrome de Sjogren pode causar perda dentária.
- Níveis significativamente elevados de citocinas pró-inflamatórias no fluído gengival e na saliva de pacientes poderiam explicar uma maior destruição dos tecidos periodontais.
- A perda dentária pode estar relacionada a uma maior atividade ou dificuldade de controle da doença ou ainda a falta de cuidado na higienização oral.
- A saliva tem ação local lubrificante e possui ação bactericida, evitando o surgimento de cáries, que em casos graves, em sua falta, pode levar à perda dentária.
Diagnóstico. Feito com base nos sintomas e pela biópsia da glândula salivar. O tratamento pode variar dependendo da gravidade da doença.
- Para a boca, são utilizados estimulantes da secreção salivar como gomas de mascar e medicamentos específicos.
- Para os olhos secos, é recomendado usar hidratantes oculares (lágrimas artificiais).
- O tratamento geral para as manifestações extraglandulares (pulmões, rins, vasos, pele) consiste no uso de medicamentos antimetabólicos e biológicos, que são indicados em momentos específicos.
A síndrome não tem cura, porém, como outras doenças crônicas, possui tratamento adequado, proporcionando aos pacientes qualidade de vida.
Fonte: Marco Antônio Araújo da Rocha Loures, reumatologista e presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Síndrome rara: 'No enterro da minha avó não conseguia chorar com lágrimas' - VivaBem
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