Paciente em atendimento em hospital finaciado pelo SUS — Foto: Fantástico/ Reprodução
Eleito para o seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva terá na saúde pública um dos principais desafios de sua gestão. A falta de recursos é apontada por especialistas como o principal entrave para garantir, de fato, o amplo acesso aos cuidados previstos como direito na Constituição.
O atual projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê um orçamento de R$ 149,9 bilhões para 2023, o menor valor desde 2014. O montante praticamente não tem "sobra" em relação ao piso estabelecido por lei e ainda será composto por emendas de relator, o que afeta o planejamento, segundo profissionais da área.
Em um cenário onde falta verba para ampliar o atendimento à população, especialistas ouvidos pelo g1 apontam os 3 pontos abaixo como os principais desafios do governo Lula na saúde:
- Equacionar o financiamento do SUS
- Ampliar a cobertura vacinal com o Programa Nacional de Imunização (PNI)
- Atender a demanda represada pela pandemia
Financiamento do SUS
O ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, afirma que o desafio primordial do próximo governo é o financiamento do Sistema Único de Saíde, o SUS. "Se a gente tirar o que teve de gasto extraordinário com a Covid, a gente nota a diminuição de gasto em relação ao percentual do PIB. Gastamos menos hoje do que em 2017, com só 3,8%."
Assim como outros especialistas, Carlos Lula explica que a origem das restrições orçamentárias na área veio com a emenda nº 95, aprovada em 2016. Ela fixou um limite para os gastos com saúde e educação independentemente do crescimento do PIB. Na prática, ela congela os investimentos por um período que vai durar mais 15 anos. Ou seja, de 2017 a 2036 o orçamento da União com saúde e educação não poderá superar o do ano anterior.
Desde então, o montante é calculado apenas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), reajustado pela inflação acumulada, o que não acompanha o ritmo do crescimento da população, na avaliação dos especialistas.
Quando ainda tramitava no Senado, a proposta foi tachada como a "PEC da Morte" por colocar em xeque os avanços feitos nas políticas sociais ao estagnar a aplicação de recursos.
Em comparação com outros países que possuem sistemas universais de saúde, como o Reino Unido, o Brasil gasta pouco.
"Não é que gasta pouco com saúde no geral, gasta mais de 9% do PIB, mas mais da metade disso é gasto com saúde privada. Somos o único país com sistema universal que gasta dessa maneira. O desafio do ministério é fazer mais do SUS, com um financiamento melhor para municípios e estados, que é quem realiza a saúde pública de modo concreto", diz o ex-presidente do Conass.
A Tabela SUS, detalhamento do custo para o governo de todos os serviços ambulatoriais e hospitalares contratados a prestadores privados, não tem correção desde o primeiro mandato do governo Lula, somando 20 anos de defasagem. Carlos afirma que às vezes é pago duas ou três vezes o valor da tabela para dar conta do que seria razoável de ser pago.
"É pouco em relação ao custo efetivo dos procedimentos. É uma pauta bomba para o governo que assume, porque é arcar com mais custo em um momento de redução orçamentária", finaliza.
Uma aposta para direcionar melhor o dinheiro é fazer aportes para os municípios com base em indicadores, tarefa nada fácil e que exige um trabalho de campo prévio para mapear as necessidades de cada localidade.
"Da maneira que é, por produção, acontece muito desperdício. Seja pelo preenchimento errado de planilhas, seja porque recebe mais onde tem mais pessoas. A gente pensa em regionalização, mas não tem um fundo de gestão regional de saúde. Na hora que vai pra região, acaba que o município central toma conta dos recursos", explica Carlos Dourado, médico, advogado e pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP.
Outro problema no mesmo cenário é a importância que as emendas de relator assumiram nesta área. Estas emendas ficaram conhecidas como “orçamento secreto” devido à falta de transparência e equidade na distribuição dos recursos.
E, enquanto as emendas parlamentares ganham espaço no orçamento da Saúde, programas fundamentais da pasta encolhem. Na comparação com 2022, o valor das emendas de relator cresceu 22% e o das impositivas, 13%.
Já as verbas para as seguintes ações do Ministério da Saúde tiveram queda:
- ↓ 61,2% estruturação da rede cegonha;
- ↓ 59% Farmácia Popular;
- ↓ 59% Saúde indígena;
- ↓ 56% Saúde e formação em Saúde;
- ↓ 46,4% controle do câncer;
- ↓ 36,8% Programa Nacional de Imunizações.
Os dados foram compilados pela Associação Brasileira da Economia da Saúde (ABrES) e comparam orçamento 2022 com a proposta orçamentária de 2023 enviada pelo governo ao Congresso.
Programa Nacional de Imunização (PNI)
Outro ponto a ser enfrentado pelo novo governo é o déficit na atual cobertura vacinal. Ela é comparável à de 40 anos atrás, de acordo com Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
A pesquisa “As fake news estão nos deixando doentes?”, encomendada pela associação em 2019, demonstrou que o motivo mais apontado para não se vacinar foi a desinformação. Essa causa está à frente de outras como esquecimento ou dificuldade de acesso aos postos de vacinação.
Isabella explica que o movimento antivacina é internacional e produz uma avalanche de conteúdo difuso e mentiroso, variando muito conforme as localidades em cada parte do globo.
"Temos que formar adequadamente a população. O antivacinista aparenta se importar com você, com o discurso de 'voce vai tomar e vai morrer e eu não quero que isso aconteça'", afirma.
Atrelado a isso, um dos fatores que faz as pessoas buscarem a vacinação é a percepção de risco. "O brasileiro continua acreditando em vacina. O motivo que nos impede de evoluir não é fake news, é a falta de percepção de risco. Hoje a Covid mata mais crianças do que a meningite meningocócica, mas famílias estão procurando vacinas de meningite por causa do surto em São Paulo. É preciso discutir comunicação, ocupar o espaço da comunicação", diz a vice-presidente.
Agora, a pergunta para a qual ainda não há uma resposta é sobre a próxima etapa da vacinação contra o coronavírus. "Qual vai ser a conduta em 2023 em relação a vacinação contra a Covid? Vamos vacinar toda a população de novo? Ter reforços?", questiona Isabella Ballalai.
Demanda represada pela pandemia
Outro diagnóstico de desafio para o governo Lula são as filas de pessoas que aguardam atendimento. Elas pioraram em consequência da pandemia. Uma estratégia apontada por especialistas é a realização de mutirões tanto para consultas quanto para procedimentos.
"No passado, chegamos a realizar 250 mil exames cardíacos no país e em 2021 foi realizado 40 mil, ou seja, são mais de 200 mil em atraso, fora a fila que a gente já tinha normalmente", aponta Carlos Lula.
Isso também implica, de algum modo, em gastos maiores que não estão no planejamento do ministério. O cálculo fica cada vez mais complexo com diversas demandas diante de um cenário de forte contração orçamentária.
Outro ponto que preocupa é a perda do diálogo que existia entre as instituições. "O primeiro passo é restabelecer o diálogo e a conversa com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e com o Conselho Nacional de Secretarias Municipais (Conasems). Esse será o principal desafio, retomar o diálogo com os outros entes da federação", finaliza.
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