No último artigo falamos aqui sobre o medo, uma das emoções que podem interferir na saúde do sistema cardiovascular. Porém, em tempos de emoções à flor da pele no país, voltamos a tratar do tema, especialmente para abordar aquelas que andam tão presentes ultimamente, a exemplo da raiva. Você sabe como este tipo de emoção pode afetar o coração e os vasos sanguíneos?
A raiva crônica, ou seja, permanente e presente na rotina, nos coloca em constante modo de "luta ou fuga", influenciando no metabolismo, nos hormônios e no organismo como um todo. Cenário que resulta em numerosas mudanças no ritmo cardíaco, na pressão arterial, no sistema nervoso e na nossa resposta imunológica.
Alterações que interferem em fatores de risco para problemas no coração, a exemplo de diabetes, hipertensão, colesterol, entre outras condições, e, com o tempo, podem aumentar o risco de eventos e doenças relacionadas ao órgão.
Sempre alerta!
O fato é que nosso corpo está sempre alerta e pronto para nos proteger de qualquer situação que possa colocar em risco o seu funcionamento. No instante em que detecta uma alteração ou possível ameaça, automaticamente reage. E a raiva pode ser um desses gatilhos.
O responsável por receber as informações externas e traduzi-las é o sistema límbico. A partir daí, um complexo sistema nervoso e humoral é ativado e, uma série de adaptações são feitas para manter ou reequilibrar o funcionamento de vários órgãos, incluindo o coração.
A raiva como forma de estresse
Podemos dizer que a raiva —assim como o ódio e o rancor— é uma forma de estresse para o corpo. E estar sob seu efeito expõe o organismo a níveis insalubres e persistentemente elevados de hormônios, como o cortisol e a adrenalina, que são lançados na circulação e podem causar efeitos adversos.
Para se ter ideia, segundo um estudo da Harvard School of Public Health, o risco de um infarto do miocárdio ou síndrome coronária aguda aumenta em cerca de cinco vezes nas duas horas seguintes a um ataque de raiva (em relação aos momentos em que não há abalo emocional).
Também foi constatada uma probabilidade três vezes maior de ter um AVC (acidente vascular cerebral) nessas condições. Sobem ainda as chances de arritmias.
Além disso, aspectos relacionados a este tipo de emoção, como a hostilidade, amargura, irritabilidade e o comportamento agressivo, também têm sido ligados às doenças coronarianas, como a doença arterial coronária. Naqueles com predisposição ou problemas cardiovasculares já diagnosticados os riscos são ainda maiores.
Reações no sistema cardiovascular
Diante de um ataque de fúria dois processos podem ser ativados: um que envia sinais elétricos ao músculo cardíaco, influenciando no ritmo dos batimentos; outro com a produção de diversas substâncias químicas que impactam nas estruturas do coração e comprometem a integridade dos vasos sanguíneos.
Os hormônios associados ao estresse gerados pela raiva ou irritação intensa estimulam a vasoconstrição (diminuição do calibre dos vasos). Com o tempo, as artérias têm seu potencial de adaptação reduzido, o que gera aumento da pressão arterial e aceleração dos batimentos cardíacos —o coração passa a bombear sangue de forma mais rápida, o que acaba exigindo trabalho extra do órgão.
A circulação sofre mudanças repentinas e intensas. O corpo libera mais açúcares (elevando os níveis de glicose) e gorduras na corrente sanguínea. O problema é maior quando isso se torna constante e vem acompanhado de mágoa, pessimismo e tristeza.
Se essas emoções agem de forma contínua é possível que gerem arritmias ou ainda que a função cardíaca diminua ou falhe e o músculo do coração passe a não bombear o sangue tão eficientemente quanto necessário, o que gera a insuficiência cardíaca. Outras consequências são a crise hipertensiva e, como dito, o infarto do miocárdio e o AVC.
Os estímulos são capazes de provocar também tensão muscular, dores de cabeça, bruxismo, gastrite, refluxo, inquietação, alterações no sono, ansiedade, depressão, aumento do apetite, boca seca, sudorese, aumento da agregação plaquetária e depressão do sistema imunitário (derrubando a imunidade e abrindo o corpo a infecções).
Outras emoções destrutivas
Da mesma maneira que a raiva, outras emoções podem afetar negativamente os hábitos e novamente aumentar o risco de complicações cardiovasculares. Indivíduos cronicamente estressados, deprimidos ou irritados estão mais propensos a beber muito álcool, fumar, comer demais e fazer menos exercícios físicos.
Aqui ainda podemos listar a culpa e a inveja como outros inimigos do órgão (emoções listadas em um estudo desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Interação Social da Universidade de Berkeley, que identificou as 27 emoções que mais sentimos).
A culpa, por exemplo, pode levar à depressão. Pesquisas apontam que mais de 80% das pessoas com depressão sentem culpa, vergonha e autocrítica. Além disso, ela também está associada ao aumento dos níveis de cortisol —com possíveis complicações descritas acima.
São questões que podem ser destrutivas, especialmente quando não encontramos válvulas de escape e ajuda para reverter um cenário crônico. O comportamento então pode passar a apresentar atitudes de hostilidade e violência assim como rancor e ressentimento unidos ao isolamento social. Isso tudo prejudica a saúde emocional e, por consequência, a cardíaca.
Superar e seguir em frente
Quem nunca sentiu raiva pelas ações ou palavras de outra pessoa? Porém, como vimos, por mais difícil que seja, nutrir e abrigar este tipo de emoção pode gerar mais estresse e com o tempo ter reflexos que nos fazem mal e "criam raízes" no corpo. E cada vez mais a ciência está revelando essa conexão.
Um estudo realizado pela Universidade de Stanford com homens entre 21 e 79 anos, fez a seguinte experiência: em resumo, os pesquisadores pediram que os participantes descrevessem, enquanto eram submetidos a um teste de estresse cardiovascular, uma lesão psicológica profunda e não resolvida, uma experiência dolorosa ou que os deixava irritados, frustrados e agitados cada vez que pensavam sobre isso.
A proposta era descobrir se a raiva apareceria nas varreduras cardíacas feitas. E isso foi efetivamente identificado, uma vez que se notou uma redução do fluxo de sangue no coração enquanto os pacientes relatavam o que lhes havia acontecido.
O que podemos fazer?
Assim como os homens do estudo descrito, falar e buscar saídas para lidar com aquilo que nos desperta tais emoções é fundamental para a saúde de modo geral, inclusive a cardiovascular. Quando a mente e as emoções não andam bem, o corpo responde da mesma forma.
Por isso, especialmente em tempos caóticos e estressantes devemos procurar a paz, buscar o equilíbrio e encontrar a harmonia sem deixar que tanto desgaste afete a saúde do nosso coração. Cuidar do corpo e da mente, dar atenção as relações afetivas, optar por um estilo de vida saudável são cada vez mais essenciais.
Avalie que tipo de emoção você quer continuar carregando em sua jornada. A ideia não é ignorar aquilo que pode nos sobrecarregar, mas, sim, encontrar maneiras lidar e superar, por exemplo, a raiva, o ressentimento, a amargura e a hostilidade, conquistando mais bem-estar físico e emocional. Buscar apoio e ajuda profissional pode ser valioso.
Raiva, ódio e rancor são emoções inimigas do coração; entenda por quê - VivaBem
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