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Tuesday, January 18, 2022

Opinião - Normalitas: Espanha propõe mudança de paradigma no combate à Covid-19 - Folha

Madrugada de véspera de Natal 2021, vulgo nochebuena aqui na España, e recebo uma intrigante foto no meu celular.

Quem envia é o meu namorildo catalão, de férias nas ilhas Canárias visitando a família do pai.

A imagem mostra suas malas solitárias num quarto de hotel. O que me surpreende: àquela hora da noite, deveriam estar todos hospedados, reunidos e comendo jamón e polvorones* na casa do tio.

Claro, eu deveria ter adivinhado.

O motivo da mudança súbita de planos tinha que ser Ela, a Conquistadora de Células Alheias, a Indesejada, a Onipresente, a Ai-que-eu-te-pego: Covid-El-Diecinueve.

O que aconteceu é que, de última hora, depois de uma segunda rodada de testes de antígenos (a primeira, antes de pegar o avião em Barcelona), identificaram no seio familiar um contagiado, o irmão caçula do namô, que justamente começava a sentir um pouco de dor de cabeça e febre.

Toca isolar todo mundo, separar núcleos familiares, quarentenar pernis. Adiós, Natal, adiós, férias.

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COVID COMO DOENÇA ENDÊMICA

A ministra da Saúde espanhola, Carolina Darias, causou um certo frisson na última quarta-feira (12) ao declarar que é hora de considerar a possibilidade de se criar um "novo sistema de vigilância da Covid-19". Disse, ademais, que o país estaria disposto a "liderar" o debate internacional a respeito.

Nesse novo cenário imaginado, a Covid passaria a ser tratada como uma endemia, como já ocorre há anos com a gripe comum.

A mudança afetaria especificamente o sistema de vigilância da enfermidade, sem alterar os protocolos clínicos já praticados.

Em outras palavras, as políticas sanitárias deixariam o atual escrutínio exaustivo e os testes caso a caso por uma abordagem amostral, estatisticamente significativa, com redes de vigilância especializadas integradas por médicos e hospitais "sentinelas".

Segundo Darias, é importante promover o debate no âmbito europeu "a fim de se determinar as melhores opções para enfrentar uma doença que, pouco a pouco, está adquirindo características endêmicas".

A proposta da ministra, ela mesma uma vítima de Covid em 2020, não é nova: vem sendo discutida em diversos âmbitos da Saúde espanhola desde o princípio da pandemia e também aplicada nos últimos meses, em caráter piloto, em algumas comunidades.

Segundo Amparo Larrauri, do Centro Nacional de Epidemiologia (CNE) espanhol, discutir uma mudança de paradigma como essa é ainda mais urgente dado o contexto atual, em que a "alta transmissibilidade" da ômicron "está fazendo com que seja impossível cumprir estritamente os protocolos de vigilância universal".

Qualquer mudança na abordagem da pandemia de Covid-19, porém, tem que passar pela OMS, e esta já retrucou que por enquanto não é momento para mudanças estratégicas: yes/vivemos/uma/pandemia.

***
ÔMICRON OU COVID "RETRÔ"

Se a estraga-festas do supracitado Natal Canário foi a ômicron ou, como diz o namô, a versão "original" ou "retrô" da COVID-19, não se pode saber.

O fato é que, na Espanha, menos de dois meses depois de a OMS divulgar pela primeira vez o nome da nova variante, estudo sugere que esta já domina de 50% a 90% dos novos contágios.

A pressão hospitalar cresce e já atinge metade dos índices registrados durante o período mais duro de 2021, a "Terceira Onda" do inverno passado. Na Catalunha, 44% das UTIs se encontram ocupadas por pacientes com Covid; a média do país é de 23,6%, beirando o limite de alto risco estabelecido pelo governo (25%), por sua vez já alcançado por meio país.

Por outro lado, o efeito atenuante da vacina, embora ainda faltem dados mais completos a respeito, é inequívoco.

Atualmente, 90,5% da população espanhola está completamente vacinada. Além disso, 90% dos maiores de 70 anos já receberam a terceira dose de reforço.

Um estudo divulgado pelo governo catalão com base em dados das últimas quatro semanas indica que os não imunizados entre 70 e 79 anos têm até 10 vezes mais probabilidade de ir parar na UTI com Covid do que os vacinados (ou 6 vezes mais chance de ser hospitalizados). O contraste é claro também em outras faixas etárias e em taxas de mortalidade relacionadas.

***

A Sexta Onda começa a dar (leves) sinais de queda na Espanha. A partir desta sexta-feira (21), aliás, a Catalunha suspenderá o toque de recolher entre 1h e 6h, medida emergencial adotada durante as festas de fim de ano. Máscaras, distância e certificado Covid seguem sendo obrigatórios em todo o país.

Pase lo que pase, por via das dúvidas, já estoquei alguns testes rápidos na gaveta de calciñas.

Desde junho de 2021, é possível comprá-los sem receita nas farmácias espanholas. Só no último dia 13 de janeiro, porém, o governo finalmente resolveu fixar um preço máximo de 2,94 euros (pouco menos de R$ 20). No fim do ano passado, quando a demanda pelos testes disparou mais de 500%, era impossível encontrá-los. Só vi numas farmácias longínquas por preços absurdos, tipo uns 18 a 20 euros (aproximadamente R$ 114).

***
Infelizmente, O-Conto-De-Um-Natal-Covidiano em Canárias não termina com o confinamento do meu cunhado.

Com intervalos de uma semana, foram caindo os demais.

Meu sogro, último a dar positivo (notem: depois de dois testes negativos, e com vacinação completa), só pôde se desconfinar no dia anterior ao voo de volta pra casa.

Por sorte (quero crer, em minha fantasia disney de imigrante-solitária), tinha em sua companhia uma família amorosa-atenciosa para passar-lhe polvorones por baixo da porta.

Polvorones, gente. Porque o resto não tem pressa.


* Polvorones, polvorón, petit beurre biscuit: biscoito amanteigado feito de amêndoas e aromatizado com limão, embalado em poético-retrô papel de seda, típico da época de Natal. Vulgo (segundo yo misma) paçoca española ou
droga pesada
de
los
​dioses.

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