Um ano e meio depois que o infectologista Fernando Gatti, chefe do serviço de Infectologia do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, fez o diagnóstico do primeiro caso de covid do país, ele afirma que o que mais lhe chama a atenção hoje na doença são as queixas de pacientes após o quadro agudo, a chamada síndrome pós-covid.
"No Brasil, desconheço uma estimativa, mas, de forma geral, de 20% a 40% dos pacientes moderados e graves podem desenvolver a síndrome, então é um número bem considerável", afirma."Pessoas que tiveram quadros leves, com acometimento das vias superiores sem comprometer o pulmão, não desenvolvem a síndrome pós-covid", completa.
A síndrome ocorre 1 mês após a fase aguda da doença. Mesmo não estando mais infectado - o vírus permanece no corpo por dez dias, explica o infectologista -, o paciente ainda tem a impressão de que está com covid, apresentando sintomas como fraqueza, indisposição e tosse.
"Parece que a pessoa continua com a doença, mas não é mais o efeito do vírus, mas sim o que ele já causou de lesão no tecido e o organismo vai ter um tempo para se recuperar desse quadro tão grave que ele teve. Esse tempo são as 12 semanas pós-covid", afirma.
"No pulmão, por exemplo, esse quadro de tosse residual e a dor no peito têm muita relação com o processo inflamatório que está diminuindo e o corpo recuperando as lesões do vírus", acrescenta.
O infectologista observa que, quando são utilizados determinados medicamentos durante o tratamento, como corticoides, que levam à queda da imunidade, o vírus permanece no corpo por mais tempo, mas, mesmo assim, a síndrome não está relacionada à sua presença; ela é posterior.
"Fraqueza, tosse e dor no peito, que, às vezes, aparecem após quatro semanas da doença, talvez a pessoa não dê tanta importância, pois somem depois de 12 semanas. Mas a mensagem importante é: não é normal. Depois de 4 semanas, não é normal você manter esses sintomas, você deve procurar seu médico", orienta.
As queixas mais frequentes são fraqueza, indisposição, tosse, alterações de memória, lesões de pele, fenômenos tromboembólicos e alteracões renais, de acordo com Gatti. Outros problemas frequentes relacionados à síndrome pós-covid são crises de ansiedade e depressão. "É uma situação em que a pessoa viveu um risco iminente de falecer, eu diria até que é um estresse pós-traumático", diz.
A síndrome pós-covid é tratada conforme os sintomas, explica o infectologista. É recomendado que, após a alta hospitar, o paciente mantenha acompanhamento médico para que seja encaminhado ao profissional apropriado. Alterações respiratórias devem ser tratadas com fisioterapia respiratória, falta de apetite, com nutrólogo, lesões de pele, com dermatologista, e questões de saúde mental com um psiquiatra, orienta Gatti.
"Às vezes, o médico detecta que o paciente tem sinais de depressão, alterações do sono, despertar precoce, indisposição para as coisas, choro fácil. Se detecta alguns sinais de distúrbio de humor, pede ajuda a um psiquiatra, que entra com medicação para depressão ou ansiedade", diz.
Infecções bacterianas secundárias também podem fazer parte do quadro da síndrome pós-covid. "Alguns trabalhos demonstram que de 20 a 30% dos pacientes pós-covid evoluem para algum tipo de infecção bacteriana secundária, por exemplo, pneumonia, otites, infecções urinárias", afirma.
"Estão muito relacionadas à questão do vírus causar inicialmente uma lesão nos tecidos e aí, como há bactérias colonizando as superfícies corpóreas, acabam se desenvolvendo essas infecções secundárias", complementa.
Caso não haja o acompanhamento após a alta hospitalar, quadros da síndrome pós-covid podem se agravar, ressalta o infectologista. Ele destaca que a depressão não tratada pode aumentar o risco de suicídio e sintomas como fraqueza e alteração da memória, comprometer relacionamentos pessoais e a vida profissional.
O acompanhamento médico após a alta hospitalar pode ser feito pelo SUS, destaca o médico. "É importante o paciente retornar em um clínico-geral para que seja feita uma avaliação da necessidade de reabilitação. No sistema público de saúde, nas AMEs pode encontrar também outros especialistas, como psiquiatras e dermatologistas, para esse acompanhamento", recomenda.
Gatti explica que estudos que avaliaram a qualidade de vida pós-covid demonstraram que, nesse período de 12 semanas que abrange a pós-covid, o paciente tem um decréscimo de 80% na qualidade de vida. "Isso impacta bastante o dia a dia, o trabalho e o convívio familiar, por causa da questão psicológica associada", diz.
Não há pacientes internados para tratar a síndrome, salienta. Segundo ele, o problema não deve impactar os hospitais. "Esse paciente dificilmente retorna ao pronto-atendimento para se queixar disso. Ele vai procurar o médico que lhe deu alta, que o acompanhou. Ele vai evitar o pronto-atendimento com medo de pegar novamente a covid. Essa pessoa não quer se expor novamente no ambiente onde possa estar circulando o vírus", argumenta.
Segundo ele, 80% a 90% dos pacientes se recuperam da síndrome em 3 meses e 10%, em 6 meses, entrando na chamada fase crônica. "Quando há um quadro mais prolongado, médico vai precisar de exames laboratoriais e de imagem para checar se houve progressão da covid-19 em relação a sequelas", afirma.
Não se sabe ainda se a síndrome pós-covid provocada pela variante Delta pode ser mais intensa ou mais prolongada. "Ainda não há estudos [...] uma especulação, como estamos falando do mesmo vírus, a tendência é que exista síndrome pós-covid com Delta, mas não consigo dizer se vai ser com frequência ainda maior que as outras variantes anteriormente descritas, mas com certeza vai continuar tendo síndrome pós-covid", finaliza.
'Pós-covid chama a atenção', afirma médico do 1º diagnóstico da doença - HORA 7
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