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Monday, December 11, 2023

“Quase perdi meu útero depois de congelar meus óvulos” - Crescer

Júlia Pontes, 40, não planejava ser mãe, mas a perda de sua avó plantou uma sementinha em sua mente. Na época, com 34 anos, ela decidiu congelar alguns óvulos só para garantir que, caso mudasse de ideia, a possibilidade existiria. O que ela não sabia era que, por conta desse procedimento, ela viveria algumas das piores dores físicas de sua vida e correria o risco de perder órgãos, como o útero e o ovário. Além de tudo, nos momentos de sofrimento, teria sua dor desacreditada por vários profissionais de saúde, que achavam que aquilo tudo era exagero ou trauma. Aqui, ela conta como tudo aconteceu para alertar outras mulheres. “Tento compartilhar o máximo que posso a minha história, dentro da minha limitada capacidade, porque é preciso contemplar os riscos”, afirma. Hoje, Júlia é mãe de Stella, 2 anos. Contra todas as possibilidades, ela acabou engravidando espontaneamente, mesmo depois de descobrir que suas chances seriam poucas, por ter endometriose.

Júlia decidiu fazer o congelamento de óvulos e não imaginou que pudesse ter uma complicação — Foto: Arquivo pessoal/ Júlia Pontes
Júlia decidiu fazer o congelamento de óvulos e não imaginou que pudesse ter uma complicação — Foto: Arquivo pessoal/ Júlia Pontes

“Entre o final de 2017 e 2018, minha avó teve um câncer muito agressivo e eu decidi largar tudo para cuidar dela. Tudo mesmo. Na época, eu estava fazendo mestrado, morando em Los Angeles, nos Estados Unidos. Em questão de seis horas eu já estava dentro do avião, indo embora. Quando isso aconteceu, mexeu muito comigo, sabe? Eu tinha 34 anos e vivi aquela experiência tão intensa, todos os dias ali com a minha avó no hospital, por três meses. Até então, eu não tinha o menor plano de ter filhos, de casar, de nada. Eu estava super focada na minha carreira, na minha vida. Sou fotógrafa e não sabia quando eu ia ter estabilidade em todos os sentidos, inclusive na parte financeira, para ter um filho. Só que aquela experiência mexeu muito comigo. Eu nunca tinha parado para pensar no vínculo em si.

Lembro que conversei com uma amiga, que tinha acabado de ter filhos, e ela mencionou que ficava preocupada por eu não ter a oportunidade de ter filhos, caso um dia desejasse. Ela dizia que eu poderia, pelo menos, congelar óvulos. Então, minha mãe se ofereceu para pagar pelo tratamento, se eu quisesse fazer. Eu nem teria dinheiro para isso. Mas fiquei pensando em tudo o que tinha acontecido com a minha avó e nesse vínculo intenso com um familiar, fiquei muito mexida. Então, antes de ir para os Estados Unidos eu fiz esse tratamento, em uma das maiores clínicas de reprodução humana em Belo Horizonte.

Eu estava muito magra quando comecei a fazer o procedimento. Ainda era uma consequência de tudo o que tinha vivido com a minha avó. Toda vez que eu ia ao médico, ele dizia que não estava dando muito efeito. Segundo ele, eu tinha poucos óvulos. Então, ele foi aumentando a dose do remédio de estimulação hormonal que eu tomava. Conforme ele aumentava a dosagem, eu ficava preocupada. Pensava: ‘Nossa, estou passando por isso tudo e não vou ter óvulos suficientes’. É o medo que toda mulher tem, né?

Então, em uma segunda-feira de manhã, fui fazer a extração, tomei o último medicamento. Quando acordei, o médico tinha tirado 14 óvulos. Como ele sempre falava que não tinha muito, eu esperava uns dois ou três. Mas foram 14.

Lembro direitinho que eu perguntei o que deveria fazer caso acontecesse alguma coisa e ele falou assim: ‘Não vai acontecer nada’. Então, me falaram que no máximo em uma semana eu menstruaria e aí seria vida normal. Eu perguntei: ‘E se eu passar mal?’. O médico disse: ‘Não, não, não vai passar mal. Vai ficar tudo bem’.

Eu me recordo de já sentir o ventre baixo quando saí da clínica e fui para casa, que era bem perto da clínica. Era como se eu estivesse com uma cólica, um gás, a barriga meio cheia. Fui à farmácia para comprar os medicamentos que tinham me passado. Na quarta-feira, minha barriga já estava parecendo de uma gestação de seis meses - embora, na época, eu nunca tivesse ficado grávida. Mas foi piorando, inchando muito. Eu já tinha ligado na clínica e falei para a enfermeira que eu já tinha tomado o analgésico para cólica, que eles tinham me indicado, e perguntei o que fazer, já que não melhorava. Disseram que me retornariam. Nisso, era por volta de 10 horas da manhã. Às 17h, não tinham falado nada e eu liguei de novo. Pediram desculpas e disseram que estavam em troca de turno e por isso não tinham me ligado. Me passaram outro medicamento. Nesse momento, eu estava sozinha em casa e não tinha ninguém para me ajudar a comprar o remédio. Mas um pouco depois consegui e tomei. Só que na quinta-feira eu não conseguia levantar da cama. Era muita dor.

Na sexta-feira, a dor começou a ceder um pouco e eu consegui andar em casa. No sábado, acordei melhor e menstruei e pensei: ‘Beleza, passou!’. Até aí, nem lembro quantas vezes eu liguei na clínica para pedir orientação e, em nenhum momento, o médico falou comigo. Era sempre a enfermeira. Como ele tinha dito que eu poderia levar uma vida normal, no domingo, fui pra São Paulo, onde eu tinha que renovar meu visto americano. Na segunda-feira, renovei e fui caminhando para a casa de uma amiga, que morava no mesmo bairro. Quando cheguei lá, comecei a passar muito, mas muito mal. Comecei a ter cólicas de um jeito que nunca tinha sentido na minha vida. Tomei o medicamento que a enfermeira tinha me indicado duas vezes, mas não melhorava. Íamos almoçar, mas eu não conseguia nem sair do carro. Toda vez que eu andava eu piorava; se eu ficava quieta, melhorava.

Agora, Júlia Pontes quer contar sua história para alertar outras mulheres — Foto: Foto: André Chui
Agora, Júlia Pontes quer contar sua história para alertar outras mulheres — Foto: Foto: André Chui

Fui a uma farmácia, sentei lá e pedi para a atendente um analgésico em gotas para fazer efeito o mais rápido possível. Mas a farmacêutica olhou para mim e disse que eu precisava ir a um hospital o mais rápido possível porque aquele nível de cólica não era normal. Liguei para a clínica de novo, falei que tinha tomado o medicamento que me indicaram duas vezes e não melhorava. Eu disse que estava indo para a emergência. A enfermeira disse que eu não estava autorizada a tomar nada, antes de falar com o médico. O médico nunca mais tinha falado comigo. A enfermeira me ligou novamente e reiterou que eu “não estava autorizada a tomar nada” e orientou que, quando eu chegasse ao hospital, depois de obter o diagnóstico, eu deveria ligar novamente pasra o médico da clínica.

No pronto-socorro, não tinha ginecologista. Expliquei para o médico que me atendeu que eu não estava aguentando de dor. E olha que eu tenho uma resistência enorme à dor! Contei toda a situação e disse que o médico da clínica queria que ligasse para ele. O médico do pronto-socorro ligou. Então, o médico da clínica de Belo Horizonte disse assim: ‘Olha, eu faço 1.500 desses procedimentos por ano e nunca tive um caso cirúrgico. Esse vai ser o primeiro. Ela não tem nada’. O médico do pronto-socorro disse que ia fazer uma tomografia, mas também achou que eu não tivesse nada.

Nisso, liguei para a minha tia. Eu estava hospedada na casa dela, em São Paulo. Até então, nem tinha avisado nada. Mas ela foi até o hospital e chegou quando eu estava entrando para fazer a tomografia. Minha tia ligou para o médico dela, explicou a situação e ele falou para deixar eu fazer a tomografia, mas disse que não ia aparecer nada no exame, pelo que ela estava descrevendo para ele. O médico disse: ‘Ok, ela fez um congelamento de óvulos, teve uma distensão abdominal e agora está com muita dor. Tenho quase certeza que o que ela tem é uma torção ovariana. Ela teve uma hiperestimulação’. Dito e feito. A tomografia não deu nada no resultado. O médico do pronto-socorro disse que meu útero meu ovário estava inchado. Ele me deu mais um remédio e me liberou porque ‘ovário inchado não era motivo de dor’. O médico da minha tia disse que, por conta do medicamento forte que eu tinha tomado, ia melhorar, mas que, em 8 horas, provavelmente, o efeito passaria e eu sentiria dor de novo. Ele orientou minha tia a me levar para o hospital em que ele trabalha.

Mas nem deu para esperar as 8 horas, a dor continuava. Fomos direto para esse outro hospital. Quando cheguei lá, contei a mesma história e, mesmo já entrando lá como paciente do médico da minha tia, outro médico chegou para mim e disse que eu estava com ‘trauma de dor’ porque eu gritava só de ele encostar em mim. É uma sequência de médicos, no geral, homens, desacreditando a sua dor. Em certo momento, me mandaram para uma sala de exame com uma médica, que foi diferente. Ela fez o exame e começou a falar em código com a enfermeira. Então, mandou eu voltar para a recepção. Depois de uma hora ela voltou e me falou que, de fato, eu estava com uma torção ovariana e que não tinha fluxo sanguíneo para o meu ovário. Ligamos para o médico da minha tia. Nisso, já era umas 3h da manhã. Eu não comia nada há doze horas e estava morrendo de fome, mas precisava ficar em jejum porque precisariam retirar meu ovário no dia seguinte. Depois, eu soube que quanto mais se demora para fazer isso, os órgãos vão necrosando (pela falta de fluxo sanguíneo). Mais tarde, conheci mulheres que chegaram a perder o útero por causa disso.

Há pouquíssimo conhecimento sobre a torção ovariana. Por isso, sempre falo sobre o assunto. Passei por três médicos e nenhum nem suspeitou desse diagnóstico. De manhã, no dia seguinte, o médico da minha tia que, até então, eu nem conhecia, veio falar comigo e explicou que, com a torção, eu poderia fazer ressonância, mas que, na verdade, só sabe o que encontra quem sabe o que está procurando. Então, ele achou. Como não havia fluxo sanguíneo para o ovário, foi aí que ele diagnosticou a torção e encaminhou para a cirurgia.

Nisso, por uma questão médica, pedi para a minha prima, que é médica, entrar em contato com a clínica em Belo Horizonte e avisar que eu ia ser operada. Em menos de uma hora, o médico da clínica ligou para a minha tia e disse que, a partir daquele momento, ele estava a cargo do meu caso e que eu estava proibida de entrar no bloco cirúrgico e que os médicos estavam proibidos de fazer qualquer procedimento. Disse que mandaria alguém da equipe dele. Ele disse que, ao fazer a cirurgia, estaríamos colocando a minha vida e os meus órgãos em risco desnecessariamente. Enquanto isso, eu estava na cama do hospital, ao lado dela, escutando a conversa, ouvindo o médico ameaçá-la. Eu estava tomando a segunda dose de morfina para a dor. Minha tia disse que o médico deveria ligar para o médico dela, que foi quem me diagnosticou, e conversar com ele. Foi o que aconteceu.

Por fim, eu operei. O médico da minha tia tem um grupo de estudos sobre torção ovariana e me explicou que, quando isso acontece, você não sabe para que lado o ovário está torcido, se ele está torcido, se para a esquerda ou para a direita. Se ele torcesse para o lado errado, poderia estrangular meu órgão de uma maneira que eu o perderia definitivamente. Então, eles trabalham com a probabilidade de que o ovário esquerdo gire no sentido anti-horário e direito, no horário. Com essa experiência, ele conseguiu desvirar o meu ovário para o lado certo. Eu estava com três voltas no ovário. O médico já tinha me dito que, com uma volta, eu nem estaria conseguindo andar. O meu ovário tinha dado três voltas em torno do mesmo eixo. Ele estava quase do tamanho de uma manga. Estava gigante e muito pesado.

Depois, eu precisei ficar sem menstruar muito tempo, para que meu ovário pudesse desinchar. Eu estava com um inchaço e com uma inflamação abdominal enorme. Nessa cirurgia, o médico descobriu que eu tinha endometriose e disse que eu teria de operar de novo, mas que meu abdômen estava todo inflamado. Quais eram as chances de eu chegar em um especialista em endometriose, de estar em Belo Horizonte e chegar a um médico em São Paulo que tinha conhecimento sobre torção ovariana? Eram as menores do planeta Terra! Em qualquer outro hospital, teriam tirado pelo menos o ovário. O médico viu que meu ovário não estava todo necrosado, então ele deixou e tentou salvar. E conseguiu! Hoje, meu ovário é mais lento, mas continua funcionando.

Decidi não processar a clínica. Primeiro, porque eu estava muito ocupada e também porque foi muito sofrimento. A recuperação dessa cirurgia foi muito difícil. Eu sentia umas fisgadas bizarras. Parecia que alguém tinha esfaqueado o meu útero; era muita dor. Com tudo o que eu tinha passado com a morte da minha avó, o diagnóstico de endometriose, que me faria passar por outra cirurgia, aconteceram coisas importantes no trabalho…Foi muita coisa acontecendo e e eu não quis gastar forças com aquilo.

Mas foi só por isso porque a falta de cuidado que tiveram com a minha dor… À medida que você começa a compartilhar a história com outras mulheres, você vê que muitas delas tiveram suas dores ignoradas pelos médicos. Mas ninguém fala porque a maioria das mulheres que passam por esse processo de estimulação ovariana não são mulheres que vão congelar, são mulheres que são tentantes e elas acham que a dor faz parte. Você não compartilha porque a dor da tentante, muitas vezes, é solitária. Por isso, embora não tenha processado a clínica, fui tentando compartilhar o máximo que pude a minha história, dentro da minha limitada capacidade, porque é preciso contemplar os riscos. Você precisa saber identificar que está passando por uma hiperestimulação.

Se o médico que fez o procedimento tivesse, no mínimo, considerado a minha dor quando eu liguei pela primeira vez e falei que eu estava com a barriga parecendo de uma gestação de seis meses e que estava com muita cólica, eu, provavelmente, não teria tido a torção, porque saberia que a hiperestimulação precisa de repouso absoluto. Qualquer esporte, qualquer caminhada, qualquer atividade que você faz pode torcer o ovário hiperestimulado. O nível de descaso e de desinformação foi tão grande, que eu tive de procurar todas essas informações sozinha. Ninguém me escutou. Uma mulher que tirou 10, 15 óvulos precisa estar preocupada com isso. São riscos que precisamos medir”

Torção ovariana: por que acontece?

A torção ovariana acontece quando o ovário ou a trompa giram sobre o próprio eixo, o que interrompe a passagem do fluxo sanguíneo para esses órgãos. Pode acontecer com qualquer mulher, mas condições como cistos, tumores ou estimulação de folículos podem aumentar as chances por conta do aumento do volume dos órgaos. De acordo com a ginecologista Simone Navid, do Hospital Santa Catarina (SP), as torção pode acontecer espontaneamente, mas isso é mais raro. “É mais comum ocorrer quando há aumento do órgão, em procedimentos de reprodução assistida ou em outros tratamentos”, explica.

No caso de Júlia, houve a hiperestimulação do ovário. Algumas mulheres podem ter uma resposta exagerada aos medicamentos de estimulação ovariana, usados na reprodução assistida. “Quando isso acontece, também é estimulada a secreção de substâncias que dilatam os vasos sangúineos, deixando-os mais permeáveis, o que favorece o extravasamento de líquido, que pode acumular na cavidade abdominal ou no pulmão”, diz a médica. Os casos podem ser graves e até levar a óbito. Nesse caso, a recomendação deve ser interromper a estimulação ovariana e tratar a mulher, para que o ovário volte ao tamanho normal.

Simone explica que os principais sintomas da torção ovariana são a presença de dor súbita, intensa, aguda e unilateral, na região abaixo do abdômen. “Pode haver um aumento do ovário no mesmo lado em que é relatada essa dor o que, muitas vezes, vem associado a náuseas e vômitos”, afirma. Segundo ela, há casos em que a mulher tem uma dor não constante, que pode durar dias e até meses. “Isso acontece quando a torção não é completa”, aponta. Ainda assim, a alteração no abastecimento de sangue ao órgão existe, mas o problema se manifesta de forma mais lenta.

A médica explica que é importante diagnosticar o problema o quanto antes para ter chances de salvar o ovário. Se demorar muito, pode haver uma necrose hemorrágica, que leva à necessidade de retirada do órgão. “O diagnóstico da torção ovariana é clínico, mas pode ter auxílio de exames complementares. No início, os exames laboratoriais não apresentam alterações. Elas só aparecem quando o quadro já apresenta necrose. A ultrassonografia pélvica associada ao doppler, que ajuda no estudo da vascularização desse ovário, é o exame de imagem mais utilizado para ajudar nesse diagnóstico”, diz Simone.

O tratamento é cirúrgico, com o objetivo de desfazer essa torção e recuperar os órgãos envolvidos. Dependendo do caso, retira-se qualquer cisto ou tumor envolvido. Se o órgão estiver necrosado, é preciso retirá-lo. “O diagnóstico precoce é importante para não chegar a esse ponto e preservar o órgão e a fertilidade da mulher”, aponta a médica. “A cirurgia preferencial é a laparoscópica, por ser menos invasiva e proporcionar um pós-operatório menos doloroso, com recuperação mais rápida. Porém, se não for possível, é realizada a cirurgia tradicional aberta para salvar a vida da mulher”, diz a ginecologista. “Para que esse órgão não volte a torcer durante a cirurgia, é realizada uma ligação desse ovário à parede pélvica com fio cirúrgico. Dessa forma, a paciente pode ir para casa tranquila, sem o risco de que esse ovário venha a torcer novamente”, finaliza.

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