Dor de garganta, febre que não passa, bolinhas vermelhas por todo corpo, até na língua. A criança reclama, os responsáveis se afligem, e o diagnóstico nem sempre é tão fácil. É escarlatina. Uma das doenças causadas pela bactéria Streptococcus beta hemolítico do grupo A. Apesar de ter entrado para o tópico de assuntos de grupos de mães nas últimas semanas, a escarlatina é comum e antiga na medicina. O que precisa de atenção é o crescimento das infecções. Em Belo Horizonte, o número de casos de escarlatina até 26 de outubro deste ano já superou em 128% o registrado em todo o ano passado.
O monitoramento da prefeitura na rede assistencial SUS/BH indica que, neste ano, 741 pacientes já foram diagnosticados com escarlatina, isto é, a cada semana, 17 receberam o diagnóstico. Em todo o ano passado, o número ficou em 325 – eram seis casos por semana. A bactéria é a mesma responsável pela internação de uma das sete crianças que apresentaram sintomas parecidos em São João del-Rei, no Campo das Vertentes, a única que foi testada. Três delas morreram, mas as mortes, segundo o Governo do Estado, não mostraram relação com a bactéria até o momento. Em Felício dos Santos, no Alto Jequitinhonha, foi decretado surto de escarlatina, após serem notificados 30 casos em curto período de tempo.
De acordo com o pediatra Paulo Poggiali, em Belo Horizonte, o aumento dos casos de escarlatina não indica surto nem anormalidade, mas pode ser uma resposta à queda de imunidade das crianças após os anos de distanciamento social causados pela pandemia da Covid-19. “Não está acontecendo nada de novo, essa bactéria é corriqueira. Seguramente, após a infecção viral, a Streptococcus é a mais comum em qualquer faixa etária, principalmente na infância. Agora, de 2022 para cá, tivemos um crescimento infeccioso no geral, fruto do isolamento da pandemia. As crianças ficaram em casa, sem ir à escola, sem ter contato com outros pequenos. Isso gerou um comprometimento na imunidade para vírus e bactérias no geral”, avalia.
Não é surto
De fato, a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte não decreta surto. Isso porque é definido surto quando acontece um aumento repentino do número de casos de uma doença em uma região específica e/ou grupo específico. Mas não só: a quantidade de casos precisa surpreender a vigilância epidemiológica da Saúde – o que não aconteceu, 741 casos ainda é considerado normal.
Na região do Barreiro, alguns pais deixaram de enviar os filhos para a Escola Estadual Duque de Caxias, após suspeitarem de um caso de infecção pela bactéria Streptococcus entre os alunos. O rumor foi logo acalmado pelo secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte, Danilo Borges Matias. “Temos casos confirmados aqui em BH sim. Isso porque essa bactéria existe no nosso corpo, na pele, e em outros lugares do nosso organismo. Todos os serviços de saúde têm tratamento para essa bactéria, que são os antibióticos”, informou.
Segundo o chefe da pasta, a prefeitura está monitorando todos os casos suspeitos e diagnosticados na capital. “A mensagem que gostaria de deixar é que não há motivo para alarme e, principalmente, para que as mães e os pais deixem de levar suas crianças para a escola”, disse Borges Matias à reportagem de O Tempo.
“Minha filha teve”
“Ainda bem que sou experiente. Isso é escarlatina, depois procure ler sobre essa doença”. Foi o que a pediatra disse à mãe Maria Luísa Palhares de Oliveira, de 23 anos, enquanto avaliava a filha de Maria, Isabella, de 5 anos. Era a segunda vez que a menina ia ao médico em poucas semanas. Primeiro, reclamou de dor de garganta, tomou antibiótico e passou. Depois, teve febre. A mãe aguardou melhorar por três dias, e sem que a febre tivesse baixado, voltou com Isabella ao posto de saúde na região Centro-Sul de Belo Horizonte.
“Quando estávamos na recepção, o sol refletiu na Isabella, e eu vi o pescoço dela todo empolado, cheio de bolinhas. Levantei a blusa, e vi a barriguinha, os braços, as costas, toda empolada! A língua estava muito avermelhada”, conta a mãe. A autônoma diz que, a princípio, o enfermeiro pensou que fosse dengue ou alergia a remédio. Mas foi a pediatra bater o olho para identificar: escarlatina. “O que entregou foi principalmente a língua tipo ‘framboesa’, cheia de bolinhas, e muito vermelha”, lembra.
Isabella voltou para casa com uma receita de antibiótico e, enquanto durou o tratamento, de sete dias, não pôde ir à escola. Antes disso, com três dias de antibiótico, as bolinhas no corpo da criança secaram. “Para as mães, eu aconselho que fiquem calmas e observem. Quanto mais rápido tratar, menos agrava. É seguir os cuidados, hidratar bem a criança e a pele, para aliviar a coceira. Além de respeitar o tempo de isolamento. Seguindo isso, seu filho recupera mais rápido”, aconselha.
Casos graves podem acontecer
A mãe Maria Luísa não está errada. Quanto mais cedo o diagnóstico e o tratamento, menos sujeita à complicações da bactéria Streptococcus a criança está. É o que afirma o pediatra Paulo Poggiali. “A infecção por Streptococcus, se não tratada corretamente, desenvolve complicações muito sérias. Sem tratamento com antibiótico, essa bactéria evolui ou as toxinas caem na corrente sanguínea, o que gera problemas em diferentes partes do corpo”, diz.
Segundo ele, a doença ou febre reumática, que inflama principalmente articulações, mas pode acometer o coração, é uma das consequências possíveis quando a infecção estreptocócica não é tratada adequadamente. "O paciente está com infecção na garganta, ou com escarlatina, não trata, e a inflamação afeta o coração. Pode gerar doença cardíaca aguda ou crônica, como lesão nas válvulas, e o tempo de vida da criança pode ser encurtado. Em muitos casos, a febre reumática pode ser fatal”, continua.
Além disso, quando se trata de um quadro agudo, a bactéria pode causar a chamada “Síndrome do Choque Tóxico”, quando gera falência de múltiplos órgãos. Nesses casos, os pacientes geralmente desenvolvem insuficiência cardíaca e renal, e os índices de mortalidade aumentam. "É por isso a importância de, ao primeiro sinal de infecção, procurar uma avaliação médica. O pediatra é o profissional ideal”, aconselha Poggiali.
Na investigação das crianças que morreram com sintomas da infecção bacteriana em São João del-Rei, no Campo das Vertentes, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) está investigando se alguma falha ou demora no diagnóstico influenciou o desfecho ruim. O resultado da investigação ainda não foi divulgado.
Entenda melhor: a Streptococcus e a escarlatina
Segundo o médico Paulo Poggiali, a escarlatina é uma das várias doenças que a bactéria Streptococcus pode causar, como amigdalite, faringite e impetigo (um tipo de infecção na pele). A infecção é endêmica e acomete, em maioria, crianças de 2 a 10 anos durante todo o ano. A escarlatina, no entanto, é menos comum que as demais.
“A maioria das crianças têm os outros tipos de infecção pela bactéria, como amigdalite. Mas em cerca de 10%, nos pacientes mais sensíveis, as toxinas que são liberadas pela Streptococcus caem na corrente sanguínea, e acometem outras áreas do corpo. É o caso das manchas na pele que ocorrem na escarlatina”, explica o pediatra.
Como a escarlatina é transmitida?
A bactéria é transmitida, muitas vezes, sem chamar atenção: as crianças, e também os adultos, carregam os vírus de forma assintomática. Isso facilita a transmissão, uma vez que, sem adoecer, os pequenos continuam em contato com os outros. A transmissão ocorre por contato direto por gotículas respiratórias, como a saliva.
Quais são os sintomas?
O pediatra recomenda que as famílias fiquem atentas aos sinais abaixo e não demorem a levar as crianças ao médico. “Criança adoece, tem que ir ao médico. Assim que adoece. É isso que evita um quadro grave. É equivocado achar que vai melhorar em casa”, aconselha.
- Febre;
- Dor de garganta;
- Manchas vermelhas e aspereza na pele (acomete rosto, pescoço, tronco e membros);
- Língua “framboesa”, com bolinhas e avermelhada.
Como a escarlatina é tratada?
“100% com antibiótico. Antibióticos comuns, como benzetacil, penicilina e amoxicilina”, responde Poggiali. Segundo o especialista, o tratamento é rápido, e em até 48h a criança já tem melhora. Mas, mesmo assim, deve-se respeitar o tempo de tratamento até o fim, como recomendado pelo médico. “Nesse caso, não vai adiantar dar anti-inflamatório, fitoterápicos, nada. É buscar uma consulta médica e tratar com antibiótico”, reforça. Também é importante respeitar o isolamento durante a medicação e não enviar a criança para a escola.
Medidas de prevenção e controle, segundo a SES-MG
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), para escarlatina, valem as mesmas indicações de prevenção de doenças transmitidas por gotículas respiratórias.
- Intensificar a higienização das mãos, a limpeza de superfícies e utensílios de uso compartilhado;
- Evitar que pacientes sintomáticos, que não tenham iniciado o tratamento com antibióticos, caso haja indicação, acesse locais de possível exposição como escola ou trabalho;
- Evitar locais de aglomeração de pessoas;
- Dar preferência para ambientes abertos ou mais ventilados.
Casos de escarlatina em BH
2022, todo o ano: 325
2023, até 26 de outubro: 741
Fonte: Secretaria de Saúde de Belo Horizonte
Escarlatina em BH já superou em 128% os casos de 2022; saiba evitar complicações - O Tempo
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