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Friday, June 23, 2023

Lucia Helena - Câncer de intestino: por que ele se torna mais comum entre adultos jovens? - VivaBem

"Nos próximos 20 minutos, vamos discutir o crescimento de casos precoces de câncer colorretal e, felizmente, já entendemos alguma coisa do que está acontecendo. Mas nós também vamos falar sobre o que ainda não sabemos e, infelizmente, é muita coisa", foi logo avisando o oncologista Chistopher Lieu, professor da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, na qual é o codiretor do Centro de Câncer.

Médico especializado justamente nos tumores que acometem o cólon — o tubo muscular com cerca de 1,5 metro, que representa a maior parte do intestino grosso — e o reto, a porção final do sistema digestivo, Lieu impressionou todo mundo nas primeiras imagens que projetou em sua aula durante o encontro anual da Asco (American Society of Clinical Oncology), que aconteceu no início deste mês em Chicago. Sentada em uma das primeiras fileiras, não fui exceção.

Diante dos meus olhos, a linha de um gráfico desenhava uma curva descendente. Ela representava a incidência anual, isto é, o número de novos casos de câncer de intestino de 1998 para cá nos Estados Unidos em pessoas de 50 a 64 anos — e essa incidência nitidamente vem caindo, o que é uma ótima notícia.

Na sequência, outro gráfico. Este mostrava uma curva ainda mais acentuada para baixo. Era a incidência nos americanos acima dos 65 anos — e ela, então, parecia despencar de vez. Um terceiro gráfico, o da mortalidade, também retratava o declínio em ambas as faixas etárias mais maduras.

"Essa queda revela o poder de programas de rastreamento", analisou o professor Lieu. "Mais informadas sobre a doença em relação ao passado, as pessoas fazem exames de colonoscopia, descobrindo pólipos, que são lesões pré-malignas, e retirando-os antes que virem um câncer."

A aula continua. "Mas, se pensarmos na população geral, contabilizando pessoas das mais diversas idades e não só as mais velhas, vemos que a mortalidade não cai nos últimos dez anos", diz. "E por quê?".

Assim que fez a pergunta, Lieu projetou um último gráfico, em que a curva seguia na direção oposta à dos anteriores, para o alto. Era a vez de mostrar o que ocorre com os mais jovens.

Nos Estados Unidos, a projeção é a seguinte: até 2030, o número de novos casos por ano de câncer de cólon deve aumentar incríveis 90% em pessoas entre 20 e 34 anos. E os diagnósticos de câncer de reto devem crescer 134% nesse período, na mesma faixa etária.

Ainda interpretando os dados epidemiológicos, Lieu explicou: "Quem nasceu na década de 1980 e hoje está com uns 40 anos corre um risco muito maior de desenvolver um câncer no intestino do que corria quem nasceu na década de 1960 ao completar seus 40 nos anos 2000. Ou seja, algo vem mudando, sim. Para agirmos, precisamos entender o quê."

Sem pânico: jovens ainda são minoria dos pacientes

O fenômeno é parecido em outros cantos do mundo. Sobe o número de casos de câncer de cólon e de reto na Europa Ocidental e em alguns países asiáticos, como a Coreia do Sul. Aliás, o oncologista Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), lembrou que ele e seus colegas divulgaram há três anos dados semelhantes de crescimento desses tumores entre nós. "Não é novidade", declara.

Sendo um dos mais destacados especialistas em câncer do país e presente no encontro da Asco, fui procurá-lo. E foi ótimo, porque ouvi dele o esclarecimento: "O câncer de intestino ainda é, predominantemente, uma doença de pessoas com mais de 50 anos. Abaixo dessa idade, os casos continuam sendo bem mais raros."

Mas a incidência não está dobrando? — questionei. "Pense que o dobro de 1 é 2", fez a analogia o brasileiro, preocupado em não deixar passar a ideia de que, agora, todo jovem vai ter um câncer de intestino.

O professor Lieu anunciou que, hoje, são 49 novos diagnósticos por dia em americanos com menos de 50 anos. Só que, de fato, devemos nos lembrar que, nas mesmas 24 horas, são mais de 400 em pessoas acima dessa idade diagnosticadas em seu país.

Colonoscopia a partir dos 45 anos

Apesar de seguir sendo minoria, ninguém está dizendo que o crescimento entre jovens seja desprezível. "Na prática, o que muda é que, em diversos países, as diretrizes médicas passaram a recomendar que a colonoscopia seja feita a partir dos 40 anos, em vez de esperar os 50", conta Paulo Hoff.

Nos Estados Unidos, a nova recomendação é para todos se submeterem a esse exame a partir dos 45 anos. E aqui, no Brasil, copiamos a orientação dos americanos.

Os mais moços desprezam os sintomas

A fama de ser uma doença exclusiva de pessoas mais velhas não ajuda. Aliás, o professor Chistopher Lieu exibiu um trabalho com 1.195 adultos jovens que estavam se tratando ou tinham sobrevivido a um tumor maligno no intestino.

Pois bem: 6 em cada 10 deles disseram que demoraram para buscar um médico porque não achavam que o que sentiam era algo sério. Pensavam que o câncer colorretal não era uma ameaça para gente da sua idade.

Por causa disso, 4 em cada 10 esperaram mais de seis meses para marcar uma consulta. E outros os 2 em cada 10 toleraram pistas de que algo não ia bem por mais de um ano.

Piora: a maioria dos pacientes jovens roda por dois ou mais consultórios antes de receber o diagnóstico. "A perda de tempo ajuda a entender por que, neles, boa parte dos casos é descoberta em estágios avançados", me contou o americano.

Quando procurar o médico

Christopher Lieu enumerou sintomas que, segundo um estudo com 884 pacientes mais jovens, apareceram e foram ignorados por um bocado de tempo: constipação, náusea, flatulência, dor abdominal, perda de peso inexplicada, perda de sangue e anemia, com sua consequente fadiga.

"Leve muito a sério apenas os dois últimos, que são os mais comuns: sangramentos e anemia", opina Paulo Hoff. Sim, tudo o que está lista apresentada na Asco até pode ser provocado pelo câncer de intestino. "Mas alguns desses sintomas são bem pouco específicos", observa o diretor do Icesp. "Ora, qualquer um tem o direito a uma dor de barriga de vez em quando sem precisar correr para uma colonoscopia."

Óbvio, fique atento a tudo o que persiste e repare, ainda, se as fezes estão saindo sempre fininhas, sinal de que há algo bloqueando parcialmente o seu trajeto para fora do corpo. "Mas, se notar sangue, nem hesite. Corra ao médico", avisa Hoff.

Pólipos, que podem ser pré-malignos, e os próprios tumores não são uma mucosa intestinal normal. Por isso, se irritam fácil com a passagem constante das fezes e, então, sangram.

A perda de sangue corriqueira, de seu lado, deixa a pessoa anêmica e às vezes fica camuflada pelo marrom típico de você-sabe-o-quê. Daí a importância de o médico pedir para você evacuar em um potinho e levar essa amostra para ser examinada em laboratório, atrás de sangue oculto.

O que se sabe sobre as causas

Na lâmina do microscópio, os patologistas observam que, em muitos jovens, as células cancerosas do cólon ou do reto assumem características moleculares ligeiramente diferentes. Daí que se perguntam: nesses indivíduos, seria a mesma doença progredindo mais depressa e aparecendo mais cedo ou um tipo diverso de tumor?

Seja como for, os casos precoces de câncer de intestino estão associados à urbanização. Há, inclusive, uma concentração maior de pacientes em cidades grandes do que em áreas rurais — "e não deve ser coincidência", aposta Christopher Lieu.

O ambiente urbano oferece acesso fácil a alimentos ultraprocessados — e, sim, eles são um dos maiores acusados. Também favorece o sedentarismo. Os dois juntos, por sua vez, alavancam a obesidade, fator de risco para o câncer de intestino em qualquer idade, embora haja estranhamente menos pacientes com excesso de peso entre os mais jovens.

"Por fim, há o uso de antibióticos, que é relativamente recente do ponto de vista da ciência", informa Paulo Hoff. Esses medicamentos também foram apresentados como possível causa na Asco por interferirem nas bactérias que habitam o nosso intestino.

"Há várias especulações sobre elas", me disse Christopher Lieu. "Crianças nascidas de parto cesáreo, por falta de contato com o canal vaginal, parecem ter uma microbiota que as tornaria mais vulneráveis a um tumor intestinal. O mesmo parece acontecer com bebês que não receberam aleitamento materno."

De todo modo, os médicos acreditam que os fatores por trás dos números crescentes de câncer de intestino entre jovens estão provavelmente aninhados na infância. Isso porque o tumor de intestino é lento. Passa um longo período como pólipo pré-maligno — quando deve ser extirpado sem dó — antes de mostrar a que veio. Daí que, para alguém já manifestar o câncer aos 30 e poucos, 40 anos, você entende que tudo deve ter começado muito cedo?

Levar na lancheira frutas e água em vez de salgadinhos e refri, ter uma infância fisicamente ativa e não tomar antibiótico por qualquer dor de garganta nos primeiros anos de vida deve ser um dos caminhos para fazer, no futuro, a curva do câncer colorretal cair entre os mais jovens também.

* A colunista viajou para cobrir a Asco a convite de Bayer Brasil.

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