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Sunday, April 9, 2023

Ela teve câncer e doença autoimune raros; sinais sumiram após gestação - VivaBem

Giovanna Martins, 41, brinca que foi sorteada na loteria dos diagnósticos. Em 2015, três meses após dar à luz o primeiro filho, descobriu um câncer de pele avançado e raro. O corpo dela chegou a ter 60 lesões, da cabeça aos pés, que se multiplicavam rapidamente —eram cinco ou seis novas a cada semana.

O caso desafiou os médicos que a atenderam e foi tratado com cirurgias e uma imunoterapia que ainda estava em teste. O tratamento reduziu a frequência das lesões e ela ficou cerca de um ano e meio estável. Até que uma reação autoimune levou ao diagnóstico de granulomatose de Wegener.

Giovanna teve estrangulamento em 85% da traqueia, o que a deixou sem fala e audição. Mais uma jornada de tratamento se estendeu por alguns anos. Em fevereiro de 2017, ela se descobriu grávida. Detalhe: ela tinha falência ovariana e o marido, hipospermia (baixa quantidade de sêmen). O primeiro filho tinha sido resultado de fertilização. Conheça a história dela:

"Fiz alguns processos de fertilização para engravidar —tenho falência ovariana e meu marido tem hipospermia— e engravidei de gêmeos. Perdi um e fiquei com o Pedro. No sétimo, oitavo mês de gestação, comecei a notar uma enxurrada de pintas vermelhas pelo corpo, de forma muito súbita, como se eu tivesse sido picada por vários mosquitos.

Como minha mãe tem uma doença autoimune, a PTI (púrpura trombocitopênica idiopática), que um dos sintomas são pintas avermelhadas, achei que eu tivesse esse quadro. Na época, minha ginecologista achou que fossem os hormônios gestacionais que poderiam dar manchas na pele.

Quando o Pedro estava com cerca de três meses de vida, essas manchas começaram a mudar de cor e não eram uniformes. Fui a cerca de sete dermatologistas e ninguém sabia o que era. No último que fui, falei para fazer biópsia.

No dia que eu estava na consulta com a hematologista para investigar a púrpura, fui pegar o resultado da biópsia: eu estava com melanoma avançado. Do lado do consultório dela, estava um médico referência em oncologia, principalmente em pesquisa clínica, e ela pediu ajuda no caso.

Ele falou que eu tinha acertado na Mega da Virada sozinha, mas no lado negativo. Ele nunca tinha visto nada igual e disse que não sabia o que fazer, porque não tinha nada em protocolo.

Começamos uma jornada muito intensa, mas a todo momento eu tinha muita certeza e fé de que ia dar certo. Esse foi um dos grandes diferenciais ao longo do tratamento.

Acesso a medicamento

Nessa mesma consulta, os médicos chamaram um cirurgião para discutir meu caso. Decidimos que iam me raspar inteira, tirar tudo, mas disseram que não iam chegar na causa do melanoma, que veio numa agressividade grande. A cada semana, apareciam cinco, seis novas lesões.

Fiz várias cirurgias para ir tirando o mais rápido possível para evitar metástase. Em uma cirurgia, cheguei a tirar 40 lesões.

Os médicos daqui passaram meu caso para um especialista em Nova York e, semanalmente, vinha a diretriz de lá do que fazer. Na época, 2015, tinha uma imunoterapia em teste, que seria minha salvação. Comecei a fazer as infusões no Brasil, que vinham de lá.

Foram feitos quatro ciclos de 21 dias de intervalo. O efeito colateral foi muito pouco, não tive náusea, vômitos nem febre. Minha disposição era boa e não parei de trabalhar. Com o tratamento, as lesões continuaram a vir, mas com velocidade menor. Fiquei um ano e meio fazendo só acompanhamento com dermatoscopia, que até hoje faço, de seis em seis meses.

Nova doença

Depois de um ano e meio com tudo calmo, tive um gatilho autoimune com outra doença, a granulomatose de Wegener. Também é muito raro de acontecer e fui sorteada novamente. Os principais sinais são nódulos pelo pulmão, seios, traqueia e síndrome renal.

O primeiro sintoma que tive foram vômitos e tosses com sangue. Fiquei internada por quase dois meses. Achavam que era metástase pulmonar, mas não fecharam o diagnóstico. Meu pulmão tinha nove nódulos e não sabiam se eram malignos ou benignos.

Depois, tive estrangulamento da traqueia, em 85% dela, em que perdi audição e fala. Pelos parâmetros dos médicos, eu tinha de fazer traqueostomia, porque precisava continuar respirando, mas me neguei. O maior vínculo com meu filho era minha voz, então não quis fazer.

Passando por vários especialistas, um professor da Universidade Federal Fluminense (RJ) aceitou fazer o alargamento da minha traqueia, e fui voltando a respirar, a ter voz e ouvir.

Comecei outra jornada de tratamento, que demorou alguns anos. Fiz o último ciclo —que não deveria ter sido o último— em 28 de dezembro de 2017 e, em fevereiro, descobri que estava grávida naturalmente.

Parei de fazer o tratamento, porque tinha certeza de que Deus tinha feito uma aliança comigo para curar meu corpo inteiro e me renovar. A partir daí, a ciência racional pediu que eu interrompesse a gestação, porque tinha de pensar no Pedro que estava vivo e na incerteza de tudo que ia acontecer. Falei que não iria interromper nem fazer terapia. Alguns médicos me apoiaram e continuamos na jornada.

Giovanna Martins - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal

Giovanna engravidou naturalmente após primeira gestação ter sido por fertilização

Imagem: Arquivo pessoal

Foi uma gestação muito tranquila, não tive problema algum, e Maria Gabriela nasceu saudável, de 38 semanas. Com um ano e meio de vida, ela teve volvo intestinal (torção do intestino) e, no hospital, teve 35 minutos de parada cardíaca.

Ela ficou quatro meses no CTI, fez três cirurgias, teve 40% do intestino retirado, usou colostomia por bastante tempo e depois fez reconstrução do intestino. Hoje, ela é totalmente saudável.

Foram vários processos, uma jornada grande de desafios, mas que me dão autoridade para falar das coisas boas também.

Corpo renovado e missão

Seis meses depois da Maria nascer, meus médicos me chamaram de volta para retomar os exames. Fiz novo PET (tomografia), ressonância e nenhuma das imagens de nódulos, doenças foram vistas, nem no pulmão, traqueia, seios, nada.

Na segunda gestação eu queria tanto viver aquele momento, com a cabeça tão voltada a tudo dar certo, que mesmo se os sintomas viessem, eu não me permitia senti-los. Não precisei alargar traqueia, me sentia disposta, sentia o cansaço normal da gravidez.

Eu não sou uma pessoa com religião, mas tenho muita fé e acredito muito que nós temos propósitos. Sempre trabalhei na área da saúde, sou consultora técnica e trabalhava com diabetes, mas sempre quis trabalhar com oncologia, que é o que faço hoje.

Ser paciente oncológica me dá muito mais capacidade de chegar para um médico hoje e falar de câncer de pulmão metastático.

Entenda o melanoma

Na maioria dos casos, o melanoma está relacionado com a exposição à radiação ultravioleta, em pessoas de pele, olhos e cabelos claros, diz Andreia Melo, oncologista do Grupo Oncoclínicas. Poucos tipos estão associados a mutações genéticas, que configuram uma síndrome do melanoma familiar.

Algumas pessoas podem ter mais de um diagnóstico de melanoma, todos ao mesmo tempo ou em períodos diferentes. "É comum que o paciente que já teve melanoma tenha outros melanomas, principalmente no indivíduo mais idoso", explica a médica.

Imunoterapia pode levar a doenças autoimunes?

Pode acontecer, mas é raro. Na imunoterapia, o sistema imunológico é estimulado a reconhecer as células impróprias e destruí-las. Esse reconhecimento ocorre por proteínas que, às vezes, têm similaridade em tecidos saudáveis, fazendo com que o organismo os ataque também.

Daí surgem os fenômenos de toxicidade relacionados à imunoterapia. As consequências mais comuns são:

  • Alterações cutâneas (pele avermelhada, coceira);
  • Hipotireoidismo;
  • Diabetes;
  • Pneumonite;
  • Miocardite.

Quando as imunoterapias começaram a ser desenvolvidas, pessoas com doenças autoimunes graves eram excluídas dos estudos clínicos. Hoje, há consistência científica para permitir que indivíduos com algumas doenças autoimunes controladas, com poucas opções de tratamento, utilizem essa estratégia.

Sobre o câncer de pele

É o tumor mais incidente no Brasil. O tipo melanoma é mais agressivo e raro, já o não-melanoma é o mais frequente e se divide em:

  • Carcinoma basocelular

Se desenvolve a partir das células basais localizadas na parte mais profunda da epiderme (camada externa da pele, que conseguimos ver).

Costuma surgir nas partes do corpo mais expostas ao sol como rosto, orelha, pescoço, couro cabeludo, ombros e costas. No geral, se manifesta como uma mancha ou lesão avermelhada que sangra com facilidade e não cicatriza.

  • Carcinoma espinocelular

Segundo tipo mais comum de tumor na pele, ocorre nas células escamosas, localizadas na parte superior da pele. Também ocorre com frequência nas áreas mais expostas ao sol e costuma acometer mais homens do que mulheres.

O principal sintoma são lesões semelhantes às verrugas que podem eventualmente sangrar. Também podem ter uma crosta por fora e formar pequenas feridas que não cicatrizam.

O melanoma pode ocorrer em qualquer área da pele humana: sola dos pés, palmas das mãos, dedos, couro cabeludo. Em melanomas menos comuns, podem ocorrer nos olhos e mucosas.

O diagnóstico é clínico, com biópsia, e o tratamento inicial é a cirurgia. Outras terapias podem ser associadas, como imunoterapia ou terapia-alvo. É preciso estar atento aos sinais da doença e às manchas que aparecem, numa classificação conhecida por ABCDE:

  • A: assimetria das manchas
  • B: bordas irregulares
  • C: cor variada, em tons de marrom, cinza e preto
  • D: diâmetros maiores do que seis milímetros
  • E: evolução das manchas, que mudam de forma, cor e tamanho

O mais importante de tudo é a prevenção:

  • Evitar exposição solar entre 10h e 16h;
  • Usar protetor solar todos os dias, mesmo dentro de casa ou em dias nublados. O produto deve ser aplicado 30 minutos antes da exposição e ser reaplicado após suar ou entrar na água (em praia ou piscina);
  • Ao praticar atividades físicas ao ar livre, optar por roupas com proteção ultravioleta;
  • Incluir avaliação da pele nos exames de rotina.

*Com informações de reportagem publicada em 09/01/2023

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