Principal marca da saúde estadual em quase três décadas de governo do PSDB em São Paulo, as OSS (organizações sociais de saúde) consomem hoje um quarto do orçamento da pasta, tiveram o modelo exportado para outros estados brasileiros, mas continuam sendo alvo de investigações por supostas irregularidades.
Essas organizações privadas sem fins lucrativos começaram a atuar no SUS paulista a partir de 1998, no mesmo ano em que foram criadas por lei federal. O governo define e planeja as políticas públicas a serem adotadas pelas OSS, além de metas de produção e de qualidade. E tem que acompanhá-las e cobrar os resultados definidos em contrato.
Atualmente, são 138 serviços estaduais de saúde sendo geridos por OSS, entre hospitais, ambulatórios de especialidades, unidades de reabilitação e farmácias de medicamentos especializados.
Em 2013, essas organizações consumiram R$ 3,15 bilhões de um orçamento de R$ 16,6 bilhões (18,9%). Em 2019, essa fatia aumentou. Foram 24,3% do orçamento (R$ 5,67 bilhões de um total de R$ 23,3 bilhões), segundo dados do Portal da Transparência.
Estudos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo apontam que os hospitais sob gestão das OSS são até 52% mais produtivos e custam 32% menos do que os da administração direta. Porém, o modelo é considerado pouco transparente e já passou por várias investigações, que culminaram em uma CPI estadual em 2018.
Em outubro último, uma blitz do TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) em 273 hospitais/unidades de saúde paulistas, gerenciadas por OSS, encontrou vários tipos de irregularidades. Entre elas, medicamentos fora do prazo de validade (em 13% das unidades fiscalizadas), médicos ausentes de seus postos de trabalho (12%) e equipamentos de diagnóstico quebrados ou em desuso (31%).
Relatórios anteriores do TCE paulista apontaram outros problemas como o descumprimento de metas estabelecidas, médicos em número insuficiente e desrespeitando escalas de trabalho, além de denúncias de corrupção.
"As OSS são a marca registrada no PSDB, consomem o maior volume de dinheiro da secretaria estadual, mas falta uma grande avaliação do todo. Alguns estudos apontam maior eficiência econômica, melhor gestão de recursos humanos, mas existem muitos problemas e impasses", afirma Mario Scheffer, professor do departamento de medicina preventiva da USP e pesquisador do tema.
Rudi Rocha, professor da FGV, diretor de pesquisas do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e coordenador de estudo que avaliou as OSS em hospitais de São Paulo, aponta a falta de transparência como um dos grandes problemas do modelo. "O maior desafio para nós [durante o estudo] foi levantar os contratos. É uma questão muito séria."
Segundo ele, embora haja avaliações positivas sobre o desempenho das organizações, do ponto de vista das evidências científicas, ainda não se sabe qual é a real relação de custo e efetividade do modelo.
Scheffer concorda e acrescenta que, com as OSS, há muita fragmentação de informações, por exemplo, sobre recursos humanos da rede estadual. "A gente ainda não consegue julgar essa modalidade de gestão pelo seu desempenho, pela qualidade da assistência. É possível, com os recursos que recebem hoje, as OSS entregarem mais? Não sabemos."
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde diz que as OSS reduziram a burocracia e agilizaram a implantação de novas unidades e a contratação de recursos humanos. Além disso, afirma a pasta, os serviços administrados pelas OSS possuem mais de 95% de aprovação da população.
Para a médica Ana Maria Malik, coordenadora da FGV Saúde, houve um aprendizado organizacional da Secretaria de Estado da Saúde na avaliação e no controle de contratos com as OSS, porém, isso não impede o descumprimento do que foi acordado. "Mas em São Paulo isso é ainda melhor do que no resto do país."
Ao mesmo tempo que a gestão dos serviços do SUS se tornou mais privada nesses quase 30 anos, a rede privada hospitalar (que atende planos e particulares) também cresceu, e a rede pública encolheu, segundo informações do Datasus.
Em 2005, por exemplo, o estado tinha 96.761 leitos de internação em geral, dos quais 64.563 eram SUS e 32.198 não SUS. Já em outubro de 2022 eram 94.064 leitos de internação em geral, com 54.952 do SUS e 39.112 não SUS. Ou seja, houve queda de 15% dos leitos SUS e aumento de 21,4% dos leitos particulares.
No mesmo período, a taxa de paulistas com planos de saúde pulou de 37% (13,8 milhões) para 43% (18 milhões). Na capital paulista, mais 50% da população tem plano de saúde com cobertura médica. No país como um todo, 26%.
Um dos reflexos da redução de leitos SUS no estado de São Paulo são as filas para cirurgias de média e alta complexidade, que pioraram com a pandemia. No início deste ano, em torno de 540 mil pessoas aguardavam cirurgias. Com mutirões e convênios com serviços privados, houve redução de 52% da fila até setembro, segundo a Secretaria de Estado da Saúde.
Em nota, a pasta diz que, nesses 28 anos de gestão do PSDB, os atendimentos em média e alta complexidade tiveram o reforço de 43 novos hospitais estaduais, sendo 22 na Grande São Paulo e 21 no interior e litoral. Entre eles, está o Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp), maior hospital oncológico da América Latina. "Antes de 1995, o estado possuía 15 esqueletos de hospitais com obras inacabadas, que foram todos concluídos ao longo desses anos", afirma a pasta.
A secretaria também cita a criação de 62 Ames (Ambulatório s Médicos de Especialidades) e 20 unidades da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, e da Rede Hebe Camargo de Combate ao Câncer, com 95 centros de atendimentos oncológico integral em todas as regiões do estado. As instituições, segundo a pasta, ampliaram a resolutividade do SUS e reduziram o tempo de espera e a fila nos hospitais.
Toda a oferta de serviços de média e alta complexidade do estado, além de casos de urgência, é regulada pela Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde), um sistema online e que funciona 24 horas.
Para a médica Ana Maria Malik, coordenadora do FGV Saúde, ainda que haja filas, houve avanço no acesso à atenção de média e alta complexidade com a criação do Cross. "Pensando em São Paulo, em Brasil, a oferta sempre será insuficiente, mas é melhor com a Cross do que sem a Cross."
MELHORA NOS INDICADORES
Nesses quase 30 anos, alguns indicadores de saúde no estado de São Paulo deram grandes saltos positivos. A mortalidade por Aids, por exemplo, caiu 78% desde 1995, quando ocorreu o pico de mortes pela doença.
No mesmo período, a taxa de mortalidade infantil (TMI) teve uma queda de 61%. Embora a tendência de redução ocorra em todo o estado, ainda persistem as disparidades regionais.
Em 2020, a TMI no estado foi de 9,75 óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos, primeira vez na história que alcançou patamar de um dígito. Mas enquanto a região de São José do Rio Preto registrou taxa de 7,79, a da Baixada Santista foi de 11,1.
Segundo o epidemiologista Paulo Menezes, professor da USP e que já coordenou a vigilância em saúde da secretaria estadual, a região da Baixada Santista concentra uma proporção grande de pessoas vulneráveis. "Quase 50% da população mora em comunidades. Os indicadores de mortalidade infantil e materna estão sempre entre os piores do estado."
Esses indicadores de saúde, além dos determinantes sociais, são muito sensíveis à atenção primária, que é de responsabilidade dos municípios. "Permanece o desafio de uma integração maior entre os municípios", diz Menezes.
Um dos entraves é a pressão política que existe na indicação dos coordenadores regionais de saúde, que não obedece a critérios técnicos. "Esse é um grande dificultador de mudanças, de buscar soluções para reduzir essas disparidades."
Sob PSDB, gestão da saúde em SP fica mais privada e cai oferta de leitos do SUS - UOL
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