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Thursday, September 1, 2022

'Fui desenganada, saí da UTI tetraplégica e hoje corro o dia todo nos eventos que produzo' - Marie Claire Brasil

Claudia Sayuri Kojima (Foto: Arquivo Pessoal)

Claudia Sayuri Kojima em foto de agosto de 2022 (Foto: Arquivo Pessoal)

"Sou chef de cozinha e empreendedora na área de gastronomia. Meu marido, Flávio, também é chef e trabalhávamos juntos quando começou a pandemia. Na verdade, a gente trabalhava tanto que nem percebi que estava rolando algo tão sério. No restaurante, tinha contato com muita gente. E, não sei exatamente como ou quando, mas acabei me infectando.

Era março de 2020, e a gente nem sabia que precisava usar máscara e álcool em gel. Depois do carnaval, quando o comércio começou a fechar as portas, nos trancamos em casa, conforme orientação da Anvisa. Foi quando comecei a me sentir estranha. Pensava ser minha rinite alérgica atacada, e comecei a me medicar. Mas, diferentemente das outras crises, não melhorei. Ao contrário, sentia cada vez mais cansaço. Então, fui fazer uma tomografia com um médico amigo da minha sogra. Quando viu o exame, ele deu um passo para trás. ‘Acho que você está com covid’, disse. Me assustei, mas o pior ainda estava por vir: ‘Seus pulmões estão 30% comprometidos’.

Fiquei meio amortecida, não sabia o que esperar dessa doença. Ele mandou eu ir para a casa, me isolar, e voltar em dois dias para uma nova tomografia. Passei o fim de semana deitada, não conseguia comer nem tomar banho. Sentia como se o ar não entrasse em meu corpo. Cheguei para o novo exame ainda pior. Apavorado, o médico disse: ‘Seus pulmões estão 70% comprometidos’.

Claudia Sayuri Kojima e o filho, Arthur (Foto: Arquivo Pessoal)

Claudia Sayuri Kojima e o filho, Arthur (Foto: Arquivo Pessoal)

A internação deveria ser imediata, mas fui teimosa. Se tinha que me internar, que fosse em Mogi das Cruzes (SP), onde nasci. ‘Se eu morrer, morro perto da minha família’, pensava. Na manhã seguinte, minha irmã, que é fisioterapeuta, me ligou. Taxativa, disse: ‘Ou você vai para o hospital mais perto, ou talvez não dê mais tempo’.

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Em 30 de março de 2020, dei entrada no Hospital Emílio Ribas, especializado em infectologia. Fui direto para a UTI. Um teste de covid confirmou o diagnóstico: eu era mesmo uma das primeiras infectadas no Brasil. Sem muita noção do que estava acontecendo, recebia enfermeiros a cada duas horas para medir minha oxigenação. 

No dia 4 de abril, chegou a notícia que mais temia: teria que ser entubada, e entraria então em coma induzido. Meu filho, Arthur, faria 6 anos no dia seguinte, e eu não estaria lá. Mas aceitei a entubação, não tinha o que fazer. Só quando o processo começou, a ficha caiu. ‘Espera mais dois minutinhos’, repetia amedrontada para a equipe, como se pudesse adiar o inadiável.
Duas semanas depois, testei de novo e já não estava mais com covid. Mas meu calvário estava só começando.

"Convencidos de que eu não resistiria, os médicos chamaram o meu marido para uma conversa. Pediram para ele preparar nosso filho para o pior"

 

Quando foram me desentubar, tive algo que os médicos acreditaram ser um AVC. Com o cérebro inchado, decidiram me manter entubada e fizeram uma traqueostomia. Foram 52 dias no coma mais profundo que existe. Tive três arritmias e na terceira meu coração chegou a 200 pulsações. Quase me fui. Como a equipe não sabia o que fazia efeito, me tornei instrumento de estudos. Tomei todos os remédios que se pode imaginar e, com isso, meu fígado ficou comprometido. Precisei então fazer 12 diálises e três transfusões de sangue.

 Claudia Sayuri Kojima (Foto: Arquivo Pessoal)

Claudia Sayuri Kojima com o marido, Flávio, e o filho, Arthur, durante sua recuperação (Foto: Arquivo Pessoal)

Convencidos de que eu não resistiria, os médicos chamaram o meu marido para uma conversa. Pediram para ele preparar nosso filho para o pior. Achavam pouco provável que eu saísse de lá com vida. Em seguida tive uma infecção hospitalar com febre altíssima. Já estavam quase jogando a toalha, mas não desistiram de mim. Naquele momento, tomaram a providência que seria o início do fim. Me deixaram em uma sala gelada para resfriar meu corpo, onde bebês com febre alta são tratados durante, no máximo, um dia. Fiquei três ou quatro, mas finalmente reagi. Voltei para a UTI.

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Poucos dias depois abri os olhos durante um exame. Estava acordada, mas não tinha noção de nada. Era como se meu cérebro estivesse totalmente desligado do corpo. Chamaram Flávio de novo, mas as notícias não eram tão melhores assim. Provavelmente, eu voltaria para casa um dia, mas muito diferente do que entrei. Talvez vegetando e por tempo indeterminado.
A partir dali, começou um trabalho de estimulação para que eu voltasse. Os médicos faziam testes, mexiam comigo. Mas eu não respondia. Minha família mandava mensagens de voz para que eu escutasse. Até que em um domingo, Dia das Mães, ouvi uma voz bem de longe perguntando o nome do meu filho. De alguma forma, aquilo me despertou. Olhei para a doutora e pude ver ela comemorando com a equipe: ‘Ela está enxergando a gente’, dizia. Caí no choro. E chorei igual a um bebê.

Minha mente ia e voltava durante o restante da internação. Alternava momentos de consciência e inconsciência. Durante todo o coma, lembro que havia sempre duas pessoas comigo. Nem boas nem más, mas que estavam o tempo inteiro ali e não eram da equipe do hospital. Para mim, era como se eu estivesse vivendo uma vida paralela. ‘Fui’ a vários lugares, me vi inclusive no necrotério que fica em frente ao hospital. Olhava pela janela daquele lugar mórbido e via o Flávio e alguns amigos na rua. Implorava para eles me tirarem de lá. Em outros momentos, tentavam me deixar viva em uma sala onde ficavam as pessoas mortas.

"Após 65 dias internada, finalmente recebi alta. Só que não mexia nada do pescoço para baixo e ninguém sabia se eu voltaria a andar"

 

Sempre fui espírita, mas me assumi na religião mesmo pouco antes da covid. Durante meu coma, Flávio ia ao centro espírita participar de orações por mim. Lá diziam que eu estava bem e não queria voltar. Mas o que entendi depois é que, para mim, eu tinha esquecido que estava em coma, e estava em outro lugar, vivendo outras coisas – de fato como em uma realidade paralela. Pensava estar enlouquecendo. Era desesperador. Uma mistura de experiência espiritual com alteração psicológica de quem está voltando de uma sedação muito forte.

Enquanto estive internada, Flávio foi todos os dias ao hospital. Sem poder me ver, ficava na porta para receber notícias. E precisou parar de trabalhar para cuidar de mim e do nosso filho.
Em 3 de junho, após 65 dias internada, finalmente recebi alta. Só que não mexia nada do pescoço para baixo e ninguém sabia se eu voltaria a andar. Flávio foi me buscar bem cedo. ‘Será que um dia vou poder dirigir?’, perguntei na saída. Pensava que se ficasse paraplégica estava ótimo, porque sei que existem carros adaptados. Mas tetraplégica, não. Na verdade, o que eu queria era ter a sensação de liberdade.

Claudia Sayuri Kojima com o marido, Flávio, e o filho, Arthur (Foto: Arquivo Pessoal)

Claudia Sayuri Kojima com o marido, Flávio, e o filho, Arthur (Foto: Arquivo Pessoal)

O caminho para casa foi difícil. Me sentia muito fraca, tivemos que parar algumas vezes. Pesava 40 quilos, 20 a menos do que quando fui internada, e usava fralda. Meu marido chegou a perguntar se eu queria voltar para o hospital, mas nem cogitei fazer isso. Estava morrendo de saudade do meu filho. Tinha falado com ele pela primeira vez apenas dois dias antes da alta.

Chegamos em casa e Arthur nem me deixou sair do carro. Correu, me abraçou e deitou no meu colo. Se jogava em cima de mim, que chorava e repetia: ‘Te amo, te amo’. O impacto de me ver naquela situação também deixou sequelas nele. Meu filho ficou ansioso e passou a dormir comigo todas as noites, com medo de que eu fosse embora. Ajudava a cuidar de mim, empurrava minha cadeira de rodas e achava graça por eu usar fraldas. Por um tempo, tive que receber comida na boca de Flávio, que me limpava e me dava banho. Com uma paciência que emocionava.

Na semana seguinte à alta, comecei minha reabilitação na Santa Casa, tudo pelo SUS. Me surpreendi ao ver como o sistema brasileiro é incrível, com tantas pessoas maravilhosas. É por causa deles que hoje estou aqui. Pela dedicação de todos, que nunca desistiram de mim.
Consegui ficar em pé de verdade e dar meus primeiros passos no final de setembro, infinitamente mais rápido do que as previsões mais otimistas dos médicos. Até hoje choro ao ver o vídeo da minha breve caminhada. Durante o tratamento, tentava não pensar no amanhã. Apenas fazia o que tinha que ser feito. Sem pressa. Isso ajudou demais na rápida recuperação. Mas não só. Estava feliz. Andar de carro e olhar o céu era, para mim, um presente. Não tinha lugar para pensamentos ruins.

Para recuperar os movimentos das mãos, brincava de massinha com o Arthur. Até que cansei e decidi fazer croquetas espanholas com meu marido. Ele fazia e eu enrolava. Começamos a vender na internet e, além de gostar da receita, as pessoas compravam para nos ajudar. Assim, entre uma encomenda e outra, fui ganhando movimentos e voltando, aos poucos, à ativa. Passei a aceitar alguns trabalhos, uma festa aqui, um jantar ali, até pegar grandes eventos. Mas não quero nunca mais trabalhar tão intensamente como antes, quando ficava no mínimo dez horas no restaurante. Quero mais tempo para mim.

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Os médicos descobriram que o que eu tive não foi AVC, mas uma encefalite cerebral, que deixou um pedacinho do mesencéfalo necrosado. Por isso, hoje, tenho a memória mais fraca. Além disso, me canso muito mais rápido, física e mentalmente. Acredito que se não tivesse pegado covid, outra coisa que me fizesse botar um freio na vida teria acontecido. Agora, consigo ver um lado bom em tudo isso. Sou uma pessoa muito mais centrada e que não guarda as coisas para si. Recentemente, voltei ao Emílio Ribas e os médicos me disseram que salvaram muita gente graças aos experimentos que fizeram no meu corpo.

Estou envolvida em toda a logística do nosso novo estabelecimento, uma casa de vinhos. Também temos um bufê e Flávio é chef executivo de um grupo de restaurantes. Mas não trabalho mais no ritmo de antes. Também não penso tanto no futuro, aprendi a viver o presente. Quero voltar a viajar, visitar países que não conheço, ter uma vida equilibrada novamente – tanto de saúde quanto financeiramente. Mas acho que o que quero mesmo é não ter medo. Acredito que vivi um milagre. Agora, quero só ser feliz.”

Claudia Sayuri Kojima (Foto: Arquivo Pessoal)

Claudia Sayuri Kojima (Foto: Arquivo Pessoal)

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