Érika Lima Sacheto percebeu que o filho, Gabriel, de quatro anos, estava tendo convulsões frequentes. Aos cinco meses, ele recebeu o diagnóstico de uma doença rara conhecida como síndrome de West. No início, ela e o marido não sabiam o que fazer e corriam para o hospital, já que as crises epilépticas ocorriam inúmeras vezes por dia. Com tratamento custoso e difícil, Érika precisou sair do trabalho e se dedicar em tempo integral à criança. Abaixo, ela conta como encara a doença e alerta para que pais e responsáveis fiquem atentos ao comportamento e movimentos fora do comum ainda nos primeiros dias de vida do bebê.
"Tive uma gravidez bem tranquila, fiz uma cesárea e meu filho não precisou ficar na incubadora nem nada. Com três dias de nascido, ele começou a ter um movimento esquisito do lado do corpo, como se fosse um soluço.
Pensei em voltar para a maternidade, porque a gente nunca imaginou que ele estaria sofrendo uma convulsão. Ele fez uma bateria de exames, tomou medicação e voltamos para casa.
No começo foi difícil. O Gabriel recebia o remédio e voltava a ter crise de epilepsia de novo. Eu e meu marido ficamos nessa luta de tentar controlar os sintomas todos os dias. Ele tinha muita convulsão, durava uns 15 minutos e, como a gente não sabia o que era, corríamos sempre para o hospital.
Com cinco meses, começou a ter uma convulsão diferente e já havíamos notado um atraso no desenvolvimento. Ele não sentava, não conseguia pegar objetos e o que chamou atenção foi que ele parou de sorrir e começou a ter uma convulsão diferente, como se fosse cair. Fomos atrás de um neurologista e fizemos mais exames. Eu também filmava com o celular para mostrar ao médico durante as consultas.
Quando fizemos um eletroencefalograma, o padrão dele estava com hipsarritmia, que indica síndrome de West, responsável por epilepsias exclusivas na infância. A médica não conseguiu achar o motivo real pelo qual nasceu com a condição, mas chegou a dizer que havia mexido com alguns canais de sódio no organismo.
Evolução da doença
Conseguimos lidar rápido com o problema, pois muitas vezes o diagnóstico é demorado. Ele fazia toda semana um eletroencefalograma e tinha esses espasmos de susto muitas vezes ao longo do dia.
Quando começou o tratamento, tomava quatro comprimidos diariamente. Na época, eu era totalmente leiga, fui procurar na internet informações sobre a doença, não tinha nenhuma perspectiva de futuro e não eram todos os médicos que sabiam lidar com ela.
Lembro que sentei na cama, chorei, chorei e achava que não tinha praticamente nada para fazer. Quando comecei a encontrar outras mães que tinham filhos com síndrome de West, fiquei mais aliviada.
Tinha de todos os perfis: mulheres que tinham filhos acamados, outros que tinham total independência e outros com problemas de fala e cognição.
Quando achei um médico que tratava a síndrome, ele me explicou que a doença se manifesta mais ou menos com dois anos de idade, quando o cérebro está mais maduro ou migra depois para crises focais.
Foi o que aconteceu com o Gabriel. Ele não tem crise há três anos e podemos falar que ele não tem mais a síndrome de West, mas a gente precisa lidar com as sequelas. Ele tem hipotonia, que faz com que não tenha força muscular. Além disso, não desenvolveu a fala e costumo dizer que é um bebezão de quatro anos.
Nunca tinha ouvido falar em epilepsia focal, mas hoje ele ainda não fala, quando se machuca não chora. Na verdade, aprendeu a chorar recentemente e começou a falar uma sílaba agora. Ele está balbuciando.
A parte psicológica e a parte física são como se fossem de um bebê. Ele também sofre com disfagia, que provoca dificuldade em engolir e só é possível comer tudo triturado e bem líquido.
Tratamento custoso
Tratar a doença do Gabriel é muito custoso. Desde o nascimento, tive que parar de trabalhar e só meu marido segue com um emprego fixo. Eu faço alguns artesanatos em casa para complementar a renda.
Só a primeira medicação da síndrome de West custava mais de R$ 300 e usávamos quatro caixas por mês. Depois, tivemos que comprar um carrinho adaptado para ele e custou R$ 18 mil.
Por causa disso, tivemos que criar uma vaquinha para ajudar com os custos, fazer com que pudéssemos comprar os remédios e o carrinho adaptado. Hoje, ainda seguimos com a arrecadação online para comprar remédios e fazer acompanhamento médico. Agora, estamos precisando de uma cadeira de posicionamento, que custa R$ 1.500, e uma tala, que custa aproximadamente R$ 300. Além dessas, a medicação de epilepsia focal custa R$ 300 por mês.
O convênio cobre alguns custos como fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, mas ele precisa de um acompanhamento com uma fisioterapeuta neurológica. Ele faz duas sessões por semana com cada profissional. São muitas despesas.
Maternidade solitária
No começo, você fica a procura de alguém que conserte seu filho. Mas não é sobre consertar, e, sim, sobre aceitá-lo. A gente vai tentando ter uma vida legal, lidar com isso e seguir.
Ouvi muita coisa, principalmente da família. Quando você recebe um diagnóstico, eles não aceitam e até te julgam por ser mãe. Eu senti muito isso e com o Gabriel fui muito julgada.
Costumo dizer que é uma maternidade solitária, mas que necessita de acolhimento e não de julgamento. Eu vejo meu filho como uma criança atípica, ele não tem muita socialização e eu também não tenho.
Antes, fazia terapia, mas parei por causa dele, pois todos os cuidados e verba são direcionados a ele. Nós damos prioridade para ele.
Estou tentando aos poucos levá-lo ao parquinho, fazer algumas coisas e, dessa forma, também consigo sair um pouco. É uma rotina muito puxada, nossa casa não é adaptada para isso e, por sorte, meu filho mais velho de 19 anos me ajuda.
A minha maior preocupação é com a puberdade dele, mas, por enquanto, o que tem ajudado minha saúde psicológica foi a interação com outras mães, que estão passando pelas mesmas coisas que eu. É como se tivesse dado um pontinho de luz. A criação do Gabriel está sendo mais aceitar como ele é. E para mim ele é assim."
O que é a síndrome de West?
É uma condição epiléptica rara, que acomete três a cada 10 mil bebês. Ela ocorre exclusivamente na infância e sempre nos primeiros dois anos de vida da criança, sendo mais comum em meninos do que em meninas.
Para identificar se o bebê está desenvolvendo o problema, o recomendado é observar se ele tem espasmos epilépticos, que seguem um padrão de movimento nos dois lados do corpo ou de flexão ou extensão do tronco e dos braços.
Geralmente, a criança faz um movimento e volta para a posição prévia, não perde a consciência e cada espasmo dura segundos. O mais comum é ter entre 10 e 20 seguidos, com padrão repetitivo.
As causas são multifatoriais, podendo ser genética. Outros fatores mais comuns são asfixia perinatal, que produz um quadro clínico resultante da privação de oxigênio no cérebro, seja durante a gravidez ou parto.
Também pode ser por alteração na anatomia cerebral e síndrome neurocutânea, que compromete a pele e o sistema nervoso da criança. Por último, infecções congênitas durante a gestação ou parto aumentam a incidência da síndrome de West.
Assim como ocorreu com Gabriel, profissionais recomendam que pais filmem os filhos quando há alguma mudança no comportamento dele, para identificar as convulsões. Também ocorre um atraso psicomotor e, por último, é recomendado a realização de um eletroencefalograma que mostrará uma hipsarritmia, que traduz um "padrão caótico", ou seja, uma desorganização do cérebro. Esse tipo de exame precisa ser feito de forma minuciosa, pois muitos sinais só são identificados durante o sono.
Quanto mais cedo for diagnosticado o problema, mais chances de curar ou permitir que os sintomas entrem em remissão. No entanto, somente 10% das crianças que sofrem com a síndrome de West se recuperam totalmente.
A partir de um ano e meio ou dois, a criança passa por um período de transição do quadro e não desenvolve mais o problema. O padrão clínico da epilepsia vai mudando e evolui para síndrome de Lennox-Gastaut, gerando crises focais. O problema se desenvolve em uma área específica do cérebro, que como o nome já sugere, é responsável pelo foco.
Há diversas terapias e todo acompanhamento ocorre de forma conjunta. Ele pode ser feito com anticonvulsivantes, hormônios ou corticoides em altas dosagens. Estes últimos são oferecidos pelo SUS (Sistema único de Saúde).
Em paralelo, a criança precisa entrar no processo de reabilitação, que inclui fisioterapeuta, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, neuropediatra e outros profissionais que auxiliem no desenvolvimento.
Fonte: Marcio Moacyr de Vasconcelos, neuropediatra, membro do Departamento Científico de Neurologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e professor de pediatria da UFF (Universidade Federal Fluminense).
'Meu filho não sentava e parou de sorrir: era uma síndrome rara' - VivaBem
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