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Thursday, June 30, 2022

Ela tem rinite, asma e dermatite: 'culpa' é da inflamação tipo 2; entenda - VivaBem

Aos 20 anos, a servidora pública aposentada Michele Avelino Benevides, 36, começou a apresentar uma tosse seca bastante incômoda. A cada ida ao hospital, ela ouvia dos médicos que era uma alergia e recebia a prescrição de tomar xaropes. Só que nenhum deles fez efeito, e seu quadro só evoluiu.

Após um tempo, a moradora de Santo André, na Grande São Paulo, também passou a ter muita falta de ar e foi orientada a procurar um pneumologista para investigar o caso. O diagnóstico que recebeu foi de asma leve.

Apesar de seguir o tratamento indicado, as crises de Michele ficaram mais intensas e frequentes, ao ponto de ela ter que ir ao pronto-socorro duas vezes no mesmo dia em várias ocasiões. Neste período, teve algumas paradas respiratórias e chegou a ser intubada. Segundo ela, foram mais de 30 internações, o que, inclusive, resultou na sua saída do emprego e da faculdade.

"Sempre fui muito ativa, fazia tudo sozinha, mas, depois, passei a depender 100% das pessoas, até para tomar banho, me trocar...", relata. "Procurei outros médicos ao longo dos anos e recebi diversos diagnósticos diferentes, como fibrose cística e doença de Churg-Strauss. Cheguei até a ser encaminhada para um cirurgião torácico para avaliar a retirada de um pedaço do pulmão."

Michele Avelino - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal

Michele em uma das crises de asma

Imagem: Arquivo pessoal

Este especialista relatou que provavelmente ela tinha mesmo asma, só que um tipo mais grave e sugeriu que ela procurasse um centro especializado na doença. Michele, então, buscou o do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), e lá, quase oito anos após o aparecimento dos sintomas, teve a confirmação: sofria de asma eosinofílica, doença com sintomas mais fortes e persistentes e mais difícil de controlar.

A partir daí, a servidora pública aposentada, que também sofre de rinite, sinusite e dermatite atópica —problemas que surgiram concomitantemente com a asma—, foi submetida a outros tratamentos. O mais recente se dá com o uso de corticoides oral e inalatório e medicamentos imunobiológicos.

"Há 4 ou 5 anos, mais ou menos, a situação está mais tranquila. Hoje, posso dizer que estou em rumo do controle da doença, mas, ainda assim, precisarei cuidar para sempre e conviver com as complicações que ela me trouxe", complementa.

Inflamação tipo 2 está por trás de asma grave e outras doenças

A asma, nos subtipos eosinofílica, como a de Michele, alérgica e mista (eosinofílica alérgica), junto com a dermatite atópica e a rinossinusite, —a chamada tríade atópica— são as principais enfermidades relacionadas a uma inflamação conhecida como tipo 2.

Trata-se de uma fisiopatologia do corpo humano que provoca uma resposta exagerada do sistema imunológico contra certos elementos irritantes ou alérgenos e que é mais complicada de tratar do que as demais classificações de inflamações.

Neste tipo, esclarece Ana Caetano Faria, presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia) e professora titular da disciplina de imunologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o corpo produz em excesso as células eosinófilos e os anticorpos IgE, importantes mediadores de processos inflamatórios associados a alergias, resultando em alterações na barreira imunológica.

"No fundo, a inflamação tipo 2 é o mecanismo das doenças alérgicas, e ela acontece em vários órgãos e tecidos, como pulmões (asma), pele (dermatite atópica) e mucosa nasal (rinossinusite). Inclusive, é comum atingir mais de um ao mesmo tempo. Também costuma afetar o esôfago (esofagite eosinofílica) e está relacionada com as alergias alimentares", aponta a médica.

Sistema imunológico - iStock - iStock
Imagem: iStock

As causas dessa resposta exacerbada do organismo ainda não são totalmente conhecidas. Mas sabe-se que há o envolvimento de componente genético —o que explica o fato de algumas pessoas desenvolverem e outras não— e fatores externos desencadeantes, como ácaro, poeira, cheiro forte, pelo de animal, fumaça de cigarro, pólen, mofo, produtos químicos e poluição.

Mais uma explicação, segundo Pedro Giavina Bianchi, coordenador do Departamento Científico de Asma da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia), é o estilo de vida contemponâneo, com menos exposição aos microrganismos, higiene excessiva e uso descontrolado de antibióticos.

"Antigamente, os partos eram normais, e aí o bebê já tinha contato com toda a flora da vagina da mãe; o aleitamento era exclusivamente no peito, gerando uma proteção que é perdida com o uso de leite de vaca ou artificial; havia mais crianças na família, então uma passava doença para a outra e isso fortalecia o sistema imunológico... Com o tempo, tudo isso mudou, fazendo com que as pessoas tenham de enfrentar mais desafios para desenvolver o seu perfil imunológico", destaca o especialista.

Tratamento requer uso de medicamentos e mudança no estilo de vida

Camila Ferreira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal

Camila Ferreira tem dermatite atópica

Imagem: Arquivo pessoal

O tratamento da inflamação tipo 2 passa pelo controle da patologia de base, sendo as principais, como adiantamos, a asma, a dermatite atópica e a rinossinusite. "O remédio mais usual é o corticoide, que pode ser tópico, inalatório, nasal ou oral. A escolha vai depender da doença. Junto a isso, é fundamental evitar o contato com os agentes desencadeantes e ter uma vida o mais saudável possível", indica Jorge Humberto Ardila Veja, pneumologista do Hospital São Rafael, de Salvador, pertencente à Rede D'Or.

Nos quadros mais graves, quando há persistência dos sintomas mesmo após altas doses de corticoide, a indicação é utilizar os medicamentos imunobiológicos (anticorpos monoclonais), como o omalizumabe e o dupilumabe. Aplicados por via subcutânea ou endovenosa, eles agem bloqueando os mediadores dos processos inflamatórios associados as alergias.

"Atualmente, com essas drogas mais modernas, consegue-se um bom controle das doenças e, consequentemente, da inflamação tipo 2. Só que é muito importante seguir o tratamento à risca. Caso contrário, isso pode levar ao agravamento do problema e ao surgimento de complicações, com alto impacto na qualidade de vida do paciente", observa Ardila Veja.

Dentre as possíveis complicações estão aumento da frequência de sinusite e otite, modificação da arcada dentária e pneumonia de repetição (rinossinusite); fechamento das vias aéreas, alterações permanentes no funcionamento do pulmão e capacidade reduzida para exercer as atividades do dia a dia (asma); e infecções de pele e outros tecidos (dermatite atópica).

Além disso, os pacientes tendem a apresentar alterações emocionais, depressão, ansiedade e insônia, o que impacta na concentração e na produtividade e gera altos índices de absenteísmo do trabalho ou da escola.

"Essas patologias são crônicas e não têm cura, então, o objetivo do tratamento é a remissão. E, com os medicamentos mais novos que temos hoje à disposição, dá para atingi-la, controlar a inflamação tipo 2 e garantir que as pessoas fiquem livres dos sintomas e tenham uma melhor qualidade de vida", completa Bianchi.

Quem está justamente nesta fase é Camila Ferreira Batista, 31, analista de gestão ambiental e criadora de conteúdo: "Tenho dermatite atópica grave, e os sintomas se manifestaram já na primeira infância. Ao longo dos anos fiz muitos tratamentos, mas sem bons resultados. Agora estou utilizando um imunobiológico e atingi o controle. Finalmente posso afirmar que isso é algo alcançável".

Camila Ferreira 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal

A dermatite atópica de Camila é grave

Imagem: Arquivo pessoal

A moradora de São Paulo destaca que o resultado não foi conquistado do dia para a noite e que, neste processo, passou por bastante sofrimento. "Lidar com essa doença é bem doloroso e cansativo; ela impacta em tudo. Antes do tratamento atual, tinha vergonha, vivia com a pele coberta e sentia muita dor, não dormia direito, tinha um péssimo humor, faltava bastante no trabalho e estava sempre recusando convites para sair. Agora a história é outra e faço questão de dividir com as pessoas."

30% da população sofre com alergias

A incidência de alergias tem aumentado ano após ano no mundo todo. Só no Brasil, estima-se que elas afetem cerca de 30% da população. No caso da asma e da dermatite atópica, estudos epidemiológicos nacionais indicam que 10% e 5%, respectivamente, dos brasileiros têm essas doenças —não há dados sobre a rinossinusite.

Saiba um pouco mais sobre cada uma dessas enfermidades a seguir:

Asma: provoca inflamação e estreitamento dos brônquios (canais que ligam a traqueia aos pulmões), o que dificulta a passagem do ar. Seus sintomas incluem falta de ar ou dificuldade para respirar, sibilância (chiado no peito), tosse e sensação de aperto no peito. Os principais desencadeantes são infecções respiratórias, exercício e exposição a alérgenos. A asma é classificada como leve, moderada e grave.

Dermatite atópica: doença que causa inflamação da pele e tem como característica número 1 pele seca e coceira intensa e constante. Essa condição leva ao surgimento de lesões, formação de crostas e descamação, e provoca bastante dor. A dermatite atópica não é contagiosa, como muita gente acredita e dentre os seus fatores de risco estão contato com agentes alérgenos e irritantes e estresse.

Rinossinusite: processo inflamatório da mucosa da cavidade nasal e dos seios paranasais. Na lista de sintomas estão obstrução e gotejamento nasal, tosse, dor ou pressão facial, cefaleia, redução ou perda do olfato e mau hálito. Pode ter causas alérgicas, virais, bacterianas ou fúngicas e se manifesta devido ao contato com poeira, pelos de animais e outras substâncias, bem como mudanças de tempo e tabagismo.

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