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Tuesday, May 3, 2022

Golpe do falso emprego: como estelionato prejudica saúde mental das vítimas - VivaBem

Após três anos desempregado, Igor Vilassa, 29, sonhava em retornar ao mercado de trabalho. Ele viu um anúncio em um conhecido site de oportunidades profissionais e enviou o currículo. A proposta parecia irrecusável: R$ 250 por dia e inúmeros benefícios para atuar como motorista de uma distribuidora, realizando entrega de medicamentos. Entretanto, antes que pudesse assumir o cargo, ele foi informado pela recrutadora, por meio de mensagens de texto, que teria que efetuar uma transferência no valor de R$ 800 como garantia para a locação do veículo da empresa, sob a promessa de que a vaga seria dele. Logo após enviar o comprovante de pagamento, Igor passou a ser ignorado pela atendente.

"Ela não me respondeu mais, aí fui ao endereço da empresa citado no contrato, em Osasco, mas chegando lá era apenas um galpão sem uso. Fiquei muito triste e lamentei por cair no golpe", conta o rapaz que mora com a mãe em Itapevi e é pai de um menino de três anos.

De acordo com o médico psiquiatra Daniel Vasques, que atua como coordenador da residência em psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a autoestima e a sensação de culpa são os principais sintomas apresentados pelas vítimas. "Uma pela sensação de espanto de 'como fui cair nesse golpe' e outra quando analisa tudo que poderia ter feito para evitar ter caído no golpe", diz.

As vagas fakes também são anunciadas em sites de compra e venda, como aconteceu com Mesequias Maadson, de 27 anos. O jovem natural de Moreno, município de Pernambuco, candidatou-se à vaga de porteiro residencial, mas para assumir a função, ele teria que fazer um curso de recepcionista: "Caí feito um pato, após pegar o certificado, a atendente ficou me enrolando e depois me bloqueou, até o CNPJ deles era fantasma, tive um sentimento horrível quando notei ser um golpe", afirma o técnico agrícola, cujo prejuízo foi de R$ 150.

Especialistas em saúde mental alertam sobre os riscos que esse tipo de crime virtual pode resultar para as vítimas, "a pessoa pode desenvolver principalmente quadros depressivos, ansiosos e uma outra condição que chamamos de transtorno de adaptação", diz Vasques. esse transtorno engloba sintomas emocionais e/ou comportamentais extremamente angustiantes e debilitantes causados por um fator estressante identificável. Em relação às técnicas terapêuticas, elas podem variar entre psicoterapias psicoanalíticas, terapias de apoio breve, terapia interpessoal e terapias em grupo.

"As terapias cognitivo-comportamentais visam mudar a forma de a pessoa agir e, com isso, modificar a sua forma de pensar e vice-versa; assim, consegue-se resolver ou minimizar problemas de autoestima e de autoconfiança", esclarece o psiquiatra.

Golpe do falso emprego - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal

Igor Vilassa caiu no golpe do falso emprego e perdeu R$ 800

Imagem: Arquivo pessoal

Um levantamento realizado pela PSafe, empresa de segurança em tecnologia, identificou, entre setembro e fevereiro de 2022, mais de 608 mil tentativas de golpes de falso emprego. Os golpistas aproveitam da fragilidade das pessoas para tirar vantagem com a falsa promessa de emprego, vendendo sonhos e entregando pesadelos.

Falsas empresas usam vulnerabilidade social e emocional

Segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de brasileiros desempregados no quarto trimestre de 2021 era de 12 milhões. O momento de instabilidade econômica no país favorece o surgimento de golpes como do falso emprego, em que algumas empresas prometem vagas mediante ao pagamento de cursos de qualificação, locação de itens ou credenciais como essenciais para a exercer a função oferecida. No entanto, após os candidatos pagarem a quantia exigida, descobrem que a vaga não existe. Em alguns casos, além do prejuízo monetário, ocorre também o roubo de dados pessoais para a realização de fraudes financeiras.

Para José Olinda Braga, professor do departamento de psicologia da UFC (Universidade Federa do Ceará), existe uma hierarquia de necessidades na vida humana, sendo a maior delas a sobrevivência garantida em grande parte pelo trabalho. As pessoas movidas por tais necessidades podem se tornar vítimas preferenciais de aproveitadores e de falsas promessas. "É como se a perspectiva de resolução dos problemas se tornasse mais urgente do que sua capacidade de reflexão, o que explica somente a posteriori as pessoas se darem conta do quanto foram ingênuas em acreditar nos argumentos apresentados no golpe", diz.

Patrícia Bader, coordenadora de psicologia da Rede D'Or São Luiz em São Paulo, faz uma crítica social à desigualdade no país e à precarização no mercado de trabalho para esclarecer por que o golpe ludibria muitas pessoas ainda. Muitos veem a culpa na própria vítima, mas a situação vai muito além, envolve questões importantes do ponto de vista econômico, político e social.

Segundo ela, um jovem que estudou numa escola privada, que fez uma das melhores faculdades do Brasil, que teve experiências culturais e outras vivências faz parte de uma população privilegiada que vai viver poucas situações de concorrência ao longo de sua existência, diferente de um jovem periférico de classe média baixa que estudou numa escola pública, trabalhando para complementar a renda familiar.

"Esses dois contextos servem para dizer que quem cai nesse golpe, em geral, são pessoas menos privilegiadas, que já estão com a sua autoestima devastada por uma questão maior, por uma questão social, pela impossibilidade de ingressar no mercado de trabalho de uma forma honesta e justa", salienta. Bader ressalta ainda que essas falsas empresas usam da vulnerabilidade social e também emocional para culpabilizar a pessoa por não conseguir entrar no mercado de trabalho, ou seja, a vítima se vê obrigada a comprar algo para se tornar mais qualificada para concorrer a uma ocupação.

Em um mundo capitalista em que o dinheiro rege as relações, quem não o produz está apartado do espaço social, e isso tem um efeito na estima do indivíduo. "Nós temos essa cultura, quando conhecemos alguém, perguntamos o nome e o que ela faz, qual a sua forma de ganhar dinheiro e depois pergunta onde mora, interesses, mas o emprego é o sobrenome do sujeito", menciona a especialista.

Fonte: José Olinda Braga, professor do departamento de psicologia da UFC (Universidade Federal do Ceará); Daniel Vasques, psiquiatra e coordenador de residência em psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Patrícia Bader, coordenadora de psicologia da Rede D'Or São Luiz em São Paulo.

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