Um laudo elaborado por médicos do Hospital Universitário de Brasília apontou que a mulher flagrada pelo marido durante um ato sexual com um homem em situação de rua passava pela fase de mania psicótica do transtorno bipolar. O relatório descreve que a comerciante apresenta "alucinações auditivas, delírios grandiosos e de temática religiosa, alteração de humor e comportamentos desorganizados e por vezes inadequados".
De acordo com André Dória, psicólogo e coordenador do Programa de Transtorno Bipolar da Holiste Psiquiatria (BA), a fase de mania psicótica, caso o diagnóstico esteja correto, justifica tal comportamento. "Isso não é uma regra, mas quando a pessoa está na fase de mania psicótica, ela fica acelerada, perde o juízo crítico. Então, sim, ela pode se envolver em situações de risco se relacionando sexualmente com desconhecidos", afirma o especialista.
O comportamento de risco, explica o coordenador, é uma característica da fase de mania do transtorno bipolar —por exemplo, quando a pessoa pode gastar e jogar compulsivamente, dirigir em alta velocidade, se expor socialmente, ter alucinações, aceleração de pensamento, alteração de sono, ouvir vozes dizendo o que ela deve fazer, ter delírios de grandeza etc.
"Já tive pacientes com transtorno bipolar que começaram a postar coisas na internet, por exemplo, que não postariam se não tivessem na fase de mania", diz o coordenador. "A exposição social é uma marca desse processo", acrescenta o especialista, lembrando também que nem todo quadro de mania tem sintomas psicóticos.
Para o psicólogo, outro ponto importante a ser dito é sobre a repercussão de casos disseminados na mídia social. Segundo ele, isso tende a prejudicar a recuperação do paciente quando ele recobrar a consciência. "Quando alguém tem um surto ou uma crise, a exposição social ao qual a pessoa acaba sendo submetida é algo que pode ser muito prejudicial para o seu tratamento."
Cuidado para não confundir a doença
O transtorno bipolar (bi= 2 e polar= polos) de humor oscila entre dois polos: a fase depressiva e a fase de mania (euforia e irritação). "Mas, embora eles se apresentem de maneiras e intensidades diferentes, uma fase de mania psicótica é mais grave do que uma fase de mania sem sintomas psicóticos", diz o psicólogo coordenador da Holiste.
Essas euforias podem ter duração de quatro a sete dias, pelo menos. "É um transtorno crônico, que pode ainda ter episódios mistos, caracterizados por sintomas dos dois tipos", completa Carolina Hanna, psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês (SP).
Como reconhecer a doença?
Nos episódios maníacos ocorre euforia, aceleração psíquica, irritação que pode levar a agressividade verbal e/ou física e aumento de energia. Outros sintomas característicos são:
- Aumento do fluxo de ideias;
- Não conseguir falar tudo que vem a mente ao mesmo tempo;
- Não conseguir manter a atenção em um único foco;
- Fazer várias coisas ao mesmo tempo e não conseguir terminar nenhuma;
- Autoconfiança e otimismo extremos;
- Sentimento de poder, influência, inteligência e riqueza;
- Aumento da libido;
- Achar-se imbuído de poderes ou dons especiais.
Para ajudar nessa autoavaliação e conseguir identificar a doença, Doris Hupfeld Moreno, do Programa de Transtornos do Humor do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), sugere observar algumas situações bem específicas em sua história de vida:
- Episódios em que trabalhava horas a fio, mais que o normal;
- Realizava exercícios físicos mais que o habitual, custando a se cansar;
- Fases em que gastava mais, bebia mais, sentia maior necessidade de sexo.
"O transtorno bipolar é uma doença que vai e volta. Pode desaparecer espontaneamente por algum tempo, até anos, mas volta. Por isso exige atenção e tratamento contínuo", afirma Moreno.
O tratamento é medicamentoso e psicoterápico. As medicações mais utilizadas são os estabilizadores do humor, especialmente, o carbonato de lítio, que é oferecido na rede pública de saúde.
"Cura é uma palavra que não costumamos usar muito quando se trata de saúde mental, porque a mente é uma questão muito subjetiva, é muito de caso a caso", pondera o coordenador da Holiste.
Além disso, após o primeiro episódio, há um risco de aproximadamente 90% de o paciente ter outro episódio em algum momento de sua vida.
O que fazer em caso de uma crise? Como ajudar outra pessoa?
Procurar atendimento médico para avaliação e tratamento. Em casos de depressão grave com risco de vida, deve-se levar ao pronto-socorro.
Na fase de mania é preciso convencer o paciente a tomar a medicação. Caso ele recuse, deverá ser avaliado uso de medicação injetável e possível internação para estabilização do quadro.
*Com informações de reportagens publicadas em 22/03/2019 e 25/09/2019.
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