O metalúrgico Vanderlei Cruz Ferreira, 64, é um homem de fé e acredita que nada é por acaso. Para ele, foi Deus quem colocou uma equipe de cinco cardiologistas, além de outros 10 profissionais de saúde, para salvar sua vida no dia 18 de fevereiro no Hospital e Maternidade São Luiz Anália Franco, na zona leste de São Paulo. Vanderlei sofreu um infarto e passou 55 minutos em parada cardiorrespiratória. Sua chance de sobrevivência era menos de 1%.
"É uma sensação muito louca", começa o metalúrgico, em conversa com VivaBem. A última coisa que ele se lembra daquela sexta-feira foi alguém dizendo "tira a roupa dele" durante o atendimento. Com a intensidade da dor, ele desmaiou e só acordou no dia seguinte, já perguntando o que havia acontecido.
Naquela manhã, ele passou mal no trabalho. Não conseguia respirar e sentia um aperto muito forte no peito. Pediu aos filhos, que trabalham com ele na empresa familiar, para levá-lo ao hospital. Como um piloto de fuga, Vinícius chegou ao hospital no menor tempo que conseguiu: 25 minutos. "Se prepara que vem multa", avisou ao pai.
Perto do meio-dia, Vanderlei chegou ao pronto-socorro com uma dor nas costas muito intensa. Seguindo o protocolo hospitalar, foi feito um eletrocardiograma. Na tela, o exame apontou o infarto. Vanderlei foi encaminhado para o terceiro andar do hospital, onde fica o setor de cateterismo. No caminho, ele teve uma série de paradas cardiorrespiratórias que, no total, duraram 55 minutos.
Rafael Domiciano, cardiologista e coordenador do setor no hospital, estava esperando a chegada do paciente e estranhou a demora. Resolveu descer até o pronto-socorro para ver o que estava acontecendo e viu Vanderlei sendo reanimado. Além da massagem cardíaca, foi preciso usar um desfibrilador para trazer o metalúrgico de volta à vida.
Normalmente, os pacientes são reanimados, em média, por 20 minutos. A partir desse tempo, a equipe médica precisa avaliar se vale a pena ou não insistir. Além das chances de sobrevivência serem muito pequenas depois de tanto tempo, existe um risco muito alto de o paciente ficar com sequelas neurológicas. "Isso pode gerar muito sofrimento para a família", explica o médico.
No caso de Vanderlei, Rafael e a equipe levaram em conta o fato de ele ser um paciente considerado jovem e sem grandes comorbidades. Durante a parada cardiorrespiratória, ele apresentou um pulso ou outro, o que deu esperança aos médicos.
Para o médico, é difícil explicar o que motivou a equipe a insistir em trazer Vanderlei de volta. A presença da família na sala de espera, aflita, mas muito unida, fez com que a equipe insistisse um pouco mais. "É uma decisão que não é nada fácil", ensaia. "Não tem uma explicação clara, mas a gente sentiu que ele não queria ir embora", diz.
O cardiologista acredita que Vanderlei lutou muito pela vida naquele momento e, quando ele deu sinais de pulso, a equipe precisou ser rápida. Após 76 minutos, pouco mais de uma hora —desde o início do atendimento no pronto-socorro até a desobstrução da artéria coronária— foi feito o cateterismo (procedimento que leva 10 minutos).
Caso inexplicável
Quando Vanderlei foi intubado e encaminhado para a UTI cardiológica depois do procedimento, Rafael não sabia como —ou se— ele acordaria. "Em pacientes que passam mais de 30 minutos em parada cardíaca, o risco de danos neurológicos beira os 90%", diz o cardiologista. "Ficamos pensando quais seriam as consequências, nossa preocupação era com a parte neuro e cárdio, já que durante o infarto o coração perde muita força."
Inexplicavelmente, Vanderlei acordou no dia seguinte, 24 horas depois de dar entrada no hospital, sem nenhuma sequela grave, apenas confuso.
"Ele poderia ter ficado em coma ou sem movimentar um membro, ter convulsões. Mas nada disso aconteceu", conta o médico. Vanderlei poderia ter tido danos cerebrais, renais, pulmonares, cardiológicos. "Apesar de todo o tempo de parada cardíaca, ele não apresentou nenhuma disfunção cardiológica, o que era altamente improvável", afirma.
"Já vi casos em que o paciente voltou, mas assim, sem déficit, é a primeira vez. Temos colegas no hospital com 20, 30 anos de experiência que nunca viram isso."
Quando Vanderlei acordou, assustou-se por estar intubado e amarrado na cama, não conseguiu entender muito bem o que estava acontecendo. A única reclamação do paciente foi de dor no tórax, causada pelas massagens e pelos choques do desfibrilador.
"Isso mexeu bastante comigo, e acordei preocupado com meus filhos", relata. "Mas me senti ótimo, nunca me senti tão bem na minha vida", diz Vanderlei, que passou apenas sete dias internado no hospital —seis na UTI e apenas um no quarto.
Por causa do ocorrido, Vanderlei diz que está tirando férias de verdade pela primeira vez em muitos anos. "O estresse me levou a essa situação", afirma. Dono de uma empresa de metalurgia, Vanderlei passou os últimos anos mergulhado no estresse com as dívidas e foi esse o fator principal que causou o seu infarto. "O estresse é um fator de risco desprezado pelas pessoas", diz o cardiologista Rafael Domiciano.
Vanderlei diz que tinha uma vida sedentária e fazia tratamento de hipertensão, mas chegou ao pronto-socorro com medidas normais de pressão arterial, sem picos. Ele não fuma e bebe apenas socialmente, sem exageros, fazia três refeições por dia e tinha horário regular de sono. Agora, "de férias", passou a se exercitar regularmente, gosta de fazer caminhadas, e faz cinco refeições por dia.
Aos poucos, quer retomar a rotina de trabalho. "Não pode ser no ritmo que era antes, mas a minha vida é o trabalho, se ficar sem trabalhar, vou ficar mal", reflete. "Estou me recuperando, mas sinto que me falta algo", diz.
Uma das lições que Vanderlei aprendeu, no entanto, foi sobre a importância de desacelerar. Uma semana antes de infartar, ele estava em Natal (RN) com a esposa "para desestressar".
"Mas não consegui desligar um minuto", confessa. Foi dois dias depois de voltar para casa que ele deu entrada no hospital. "Tem a mão de Deus nisso", opina. "Agradeço muito a Deus, aos médicos por tudo o que eles passaram junto de mim, eles não desistiram de mim, me deram a chance de sobreviver. Tenho uma gratidão muito grande que vou levar no meu coração para sempre."
Rafael conta que o caso de Vanderlei também comoveu a equipe do hospital. "Ele é um homem muito forte", comenta. "Tem essa imagem de hospital de que a gente não tem sentimento pelos pacientes, mas ele mexeu com todas as equipes. Foi uma grande vitória para nós ele sair bem do hospital, esse é o maior pagamento que a nossa equipe poderia ter."
Apesar de o dia 18 de fevereiro não ser aniversário de Vanderlei, para ele, é como se tivesse ganhado uma nova data de aniversário. Por WhatsApp, ele escreveu à reportagem na última sexta-feira (18): "Hoje comemoro um mês de vida". Nas mensagens seguintes, uma foto com um relato escrito à caneta em um papel: "A partir de agora, devo comemorar dois aniversários."
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Homem infarta e tem parada cardíaca por 55 minutos: 'Sensação muito louca' - VivaBem
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