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Friday, March 11, 2022

Acumulação compulsiva: quem tem dificilmente percebe; conheça transtorno - VivaBem

O transtorno de acumulação compulsiva costuma causar muito sofrimento para o doente e sua família. Na maior parte das situações, mesmo vivendo entre lixo e bichos, a pessoa não consegue se dar conta da gravidade do problema. Saber por que alguém age assim é fundamental para ter uma compreensão mais ampla dessa enfermidade e, assim, ajudar. A seguir, tire oito dúvidas sobre o transtorno.

1. Quais os parâmetros que definem a acumulação compulsiva?

A acumulação compulsiva é uma categoria de TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), que envolve diferentes tipos de obsessões e de compulsões. A obsessão envolve pensamentos, necessidades ou urgências para fazer algo sem utilidade ou justificativa racional, enquanto a compulsão é o comportamento repetitivo para atender à demanda obsessiva.

As pessoas com transtorno de acumulação têm uma dificuldade persistente de descartar ou de se desfazer de suas coisas, independentemente do valor real que essas coisas tenham. A simples ideia de jogar ou doar algum desses objetos gera muito sofrimento e ansiedade. Para ser considerada um transtorno psiquiátrico, a acumulação precisa causar prejuízos na vida da pessoa, como, por exemplo, ela viver entre cômodos entulhados de coisas, afetando a movimentação e até a própria higiene.

Alguns acumuladores podem chegar a comprar itens que não usam nunca e se endividarem por isso, ou até mesmo roubar, pois sentem que "precisam" ter tal objeto. A diferença entre um acumulador e um colecionador é que o segundo organiza e mostra, geralmente com satisfação e orgulho, toda sua coletânea. Para o acumulador, tudo é desorganizado, amontoado e causa desconforto a ele próprio.

2. Há uma predisposição genética ou algum tipo de trauma desencadeia a doença?

A genética, o funcionamento do cérebro e os eventos estressantes da vida têm sido alvo de pesquisas como possíveis causas. O transtorno geralmente começa na adolescência e tende a piorar com a idade. Ele afeta, em pelo menos 50% das vezes, pessoas cujos familiares próximos —pais, por exemplo— também são acometidos pela doença. Outras desenvolvem o problema depois da morte de um ente querido, divórcio, despejo ou perda de bens em um incêndio.

Entre as características comportamentais comuns de quem sofre com esse TOC estão a indecisão, o perfeccionismo, a procrastinação, a dificuldade de planejar e organizar tarefas, o evitamento de situações que consideram ansiogênicas e a distraibilidade, que significa dificuldade ou incapacidade para se fixar ou se ater a qualquer coisa que implique esforço produtivo. Em geral, essas pessoas vivem sozinhas e escondem dos amigos e familiares a própria condição.

3. Por que os acumuladores, mesmo vivendo em condições precárias (como dormir em meio a lixo e fezes de animais), às vezes não enxergam a gravidade do problema?

Um dos fatores é a chamada dissonância cognitiva, uma discrepância entre as atitudes ou comportamentos que a pessoa acredita serem certos e o que realmente é praticado. Quando isso acontece, há um dilema existencial que produz muito sofrimento. A distorção faz com que o acumulador não perceba a gravidade do próprio problema, já que a ideia de se livrar de quaisquer objetos é angustiante, maior do que as dificuldades de viver no ambiente insalubre que criou.

Os acumuladores percebem o excesso, mas podem acreditar na real necessidade da acumulação: "e se eu precisar disso amanhã por algum motivo?", "e se eu jogar fora e o lixo acumulado fizer mal ao meio ambiente?", "e se minha mãe me pedir algo desse tipo", e demais pensamentos do tipo. Em certas situações, a limpeza não ocorre porque os objetos tomam todo o espaço e limpar se torna impossível. Às vezes, as condições de saúde mental nem permitem perceber a sujeira ou que a pessoa seja incomodada por ela.

4. Existe ligação entre acumulação e compras compulsivas?

Cientificamente, não existe nenhuma correlação entre os dois transtornos, mas as compras compulsivas podem ocorrer junto da acumulação. Entretanto, um comportamento não está necessariamente vinculado ao outro e as compras compulsivas podem vir como sintoma de outros transtornos.

5. A acumulação compulsiva costuma passar por alguns estágios?

O grau varia de leve a grave. Em alguns casos, pode não ter muito impacto na vida da pessoa, enquanto em outros casos afeta seriamente seu funcionamento diário. Nos quadros extremos, em que o acúmulo de objetos soterra os móveis da casa, as pessoas podem dormir ou cozinhar em meio à sujeira e usar potes e garrafas para guardar fezes e urina.

6. Quais as consequências negativas para a vida do acumulador?

Um dos maiores malefícios é quando a pessoa se vê também refém da síndrome de Diógenes, um conjunto de sinais e sintomas ligados a alterações comportamentais como negligência extrema no autocuidado, desorganização do ambiente doméstico, retraimento social e ausência de percepção sobre a situação, o que leva os indivíduos a recusarem ajuda.

Com o decorrer do tempo, o acúmulo passa a ser tão extremo que compromete a higiene local, atraindo a presença de bichos, e isso também pode desencadear algumas doenças de pele e infecções. Isso gera atritos com vizinhos que reclamam do odor e dos bichos e também com as autoridades. Consertos de água e luz da casa podem ficar impossibilitados. A sujeira se acumula e pode atrair bichos e a higiene e a saúde ficam ainda mais comprometidas. Em quintais, por exemplo, pode ocorrer acúmulo de água em vasilhames ou latas e resultar em criadouro de transmissores de doenças como a dengue. Há um comprometimento total da qualidade de vida e das relações interpessoais e familiares.

7. Como é o tratamento?

O tratamento mais conhecido e adotado é a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), no qual o psicoterapeuta ajuda o paciente a ter diferentes modos de pensar sobre os objetos acumulados, além de treinar a motivação e a modificação de comportamentos em termos de aquisição, acúmulo, descarte e organização, tanto do espaço físico quanto dos objetos. O uso de medicamentos também pode ser recomendável, uma vez que permitem que o indivíduo seja mais capaz de se envolver no processo de tratamento, seja melhorando seu humor ou reduzindo sua ansiedade.

8. Existe cura ou a pessoa precisa ser acompanhada para o resto da vida?

O acompanhamento para qualquer transtorno de impulso é de longo prazo e contínuo. Em vez de cura, o ideal é falar em remissão ou diminuição dos sintomas. A frequência dos atendimentos é revista, dependendo da necessidade do paciente. De forma geral, porém, quanto mais precocemente se iniciam os tratamentos, mais chances de sucesso. O apoio da família, vale frisar, é fundamental, principalmente se for livre de julgamento e tiver um viés prático, como auxiliar no descarte das coisas e na checagem constante das condições de vida da pessoa.

Fontes: Bruno Mendonça Coêlho, psiquiatra de adultos e da infância e adolescência, doutor em ciências pela USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP); Daniela de Oliveira, psicóloga clínica e integrante do Ambulatório de Medicina e Estilo de Vida do HCFMUSP ; Henrique Bottura, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, em São Paulo (SP), e colaborador do ambulatório de impulsividade do IPq-HCFMUSP,; Suely Sales Guimarães, doutora em psicologia pela University of Kansas (EUA) e docente do Centro Universitário Brasília (DF).

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