A autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a venda de autotestes de Covid-19 não deve fazer grande diferença no enfrentamento à pandemia no Brasil, porque só uma pequena fatia da população terá como comprar o produto.
Essa é a avaliação de Reinaldo Guimarães, médico sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
A decisão da agência, nesta sexta-feira (28), autoriza que os testes possam ser comercializados em farmácias, drogarias e outros estabelecimentos de saúde devidamente licenciados. Porém, não há indicativo por parte do governo Jair Bolsonaro (PL) de que o produto também será disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
"Não acredito que a autorização para a venda do teste terá uma grande importância no combate à pandemia. Quem tem condições de comprar um teste por R$ 180? Só uma pequena parcela da população, a de maior poder aquisitivo. A maior parte das pessoas não tem como pagar. Além disso, com a alta procura, a tendência é que o preço dos testes suba", diz o sanitarista.
Para ele, o autoteste deveria ser incluído em uma política pública do SUS, e distribuído gratuitamente em um programa amplo de testagem.
"Outros países que têm um sistema de saúde, como o Reino Unido com o NHS, disponibilizam os testes de graça. Já os Estados Unidos, que não têm sistema de saúde (público), compraram um grande volume de testes e também estão distribuindo à população", explica.
Embora a autorização da Anvisa para venda dos autotestes em farmácias tenha sido dada após um pedido do Ministério da Saúde, o ministro Marcelo Queiroga disse recentemente ser "difícil" incorporação do produto pelo SUS.
"Sem ter essas respostas em relação à efetividade e ao custo, essa política pode não ter o resultado que desejamos. Isso não quer dizer que o teste não possa ser vendido nas farmácias para que a população possa adquirir e realizar o teste. Isso é muito possível que a sociedade possa ter esse acesso, as redes privadas têm realizado testes também", disse o ministro, no dia 10 de janeiro.
Para Guimarães, outro problema será relacionado aos dados de infecções e a vigilância epidemiológica.
"Se a pessoa estiver infectada e tiver consciência, ela vai procurar o sistema de saúde para informar seu caso. Mas acho muito difícil que isso aconteça com a maior parte das pessoas. Mesmo se ela informar, haverá uma vigilância no entorno dessa pessoa e com quem ela entrou em contato? Durante a pandemia, ficou claro que a vigilância epidemiológica não funcionou no Brasil", diz.
A empresa que quiser comercializar o autoteste em farmácias ainda deverá pedir autorização da Anvisa, que analisará caso a caso. "Como há uma pressão da sociedade por celeridade, não acredito que a Anvisa vá demorar muito para autorizar as empresas", avalia Guimarães.
Segundo a agência, a expectativa é de que os primeiros pedidos de regularização de autotestes devem chegar na semana que vem. Nesses processos, as empresas deverão apresentar dados que mostrem a eficácia e segurança dos produtos que elas desejam vender no país.
Ainda não se sabe qual será o valor do teste nas farmácias. Normalmente, quem define o preço máximo de um medicamento ou produto médico é a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial responsável pela regulação econômica do mercado de medicamentos no Brasil –a Anvisa exerce o papel de secretaria-executiva da CMED.
Durante a sessão na Anvisa, o diretor da agência, Romisson Rodrigues Mota, lembrou que o governo espanhol estabeleceu em 2,94 euros o preço máximo dos kits de autotestes no país. O valor é equivalente a R$ 17,6. Não há, no entanto, indicação de que o preço no país possa estar nessa faixa.
Como funciona o autoteste?
No autoteste, o usuário faz a coleta de material (que pode ser a saliva ou de líquido da cavidade nasal) com uma espécie de cotonete, coloca ela em um recipiente com reagente e depois despeja essa solução em uma espécie de caixa onde o resultado é exibido. Em geral, o resultado sai entre 10 e 20 minutos.
Esse teste é o igual ao RT-PCR? Não. Os autotestes liberados pela Anvisa são do tipo que detecta se o usuário tem antígenos do coronavírus. Segundo o Ministério da Saúde, os autotestes devem ter sensibilidade acima de 80%. Apesar de serem considerados seguros e precisos, os testes considerados "padrão-ouro" são os RT-PCR.
O que fazer se o resultado for positivo? A orientação do Ministério da Saúde é que o usuário procure uma unidade de saúde mais próxima ou o teleatendimento para que seja feita a confirmação do diagnóstico. É nesse momento que, se o diagnóstico for confirmado, o caso será devidamente notificado às autoridades sanitárias. Nessas situações, a orientação é que o paciente entre em isolamento imediatamente.
O que fazer se o resultado for negativo? Aqui, a orientação vai depender se o usuário tem ou não tem sintomas. Caso ele não tenha sintomas da doença, a orientação é observar se eles surgirão ou não. Se o exame der negativo, mas o usuário sabidamente teve contato recente com pessoas diagnosticadas com Covid-19, a orientação é que ele faça um exame RT-PCR.
Para os usuários que estão com sintomas, mas o teste deu resultado negativo, a orientação é que ele faça um novo teste ou procure uma unidade de saúde para avaliação.
O resultado negativo do autoteste poderá ser usado para embarque em voos internacionais? Não. Segundo o diretor da Anvisa, Alex Campos Machado, o resultado negativo apontado em um autoteste não poderá ser utilizado pelo usuário como comprovante de que não está infectado para o embarque em voos internacionais para países que exigem esse tipo de comprovação.
O resultado positivo do autoteste vai ser suficiente para obter licença ou afastamento médico? Não. Segundo a Anvisa, a licença ou o afastamento médico em decorrência da Covid-19 só podem ocorrer após análise de um profissional de saúde.
Empresas poderão comprar autotestes e distribuir aos funcionários? Sim. Segundo a Anvisa, não há nenhuma restrição para que empresas façam a distribuição de autotestes para seus funcionários.
'Quem tem condições de comprar?', questiona sanitarista sobre liberação de autotestes de Covid no Brasil - Folha
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