Se a gente está pensando na balança, todo tipo de gordura parece igual, sempre entregando ao organismo 9 calorias por grama, mais do que o dobro do que as 4 de proteínas e carboidratos. Mas, se a preocupação é com a saúde do coração, há gorduras e gorduras. Algumas podem ser boas. Outras podem ser ruins. E outras, até mesmo terríveis.
Aliás, foi mais ou menos assim o nome da aula que a nutricionista Alice Lichtenstein deu durante o recente XIX Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, deixando claro, porém, que quase nunca é tão simples classificá-las desse jeito e que, por isso mesmo, terríveis também são as confusões que todos nós fazemos na hora de colocá-las ou cortá-las do prato.
Professora da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, onde coordena e é pesquisadora sênior do laboratório de saúde cardiovascular, a doutora Alice é considerada uma das maiores investigadoras do mundo no papel dos lipídeos no sentido de ajudarem ou, muito pelo contrário, jogarem contra o nosso coração, sendo uma das líderes do grupo de cientistas que elaborou as diretrizes alimentares para a população americana.
"Com certeza, as gorduras já provocaram muita polêmica por aí no passado recente", afirmou ela no início de sua conferência. "Bem na década de 1980 até cerca de 1995, nós recomendávamos que as pessoas, para protegerem seu coração, tivessem uma dieta com porções muito reduzidas de gorduras em geral", contextualizou. "Já por volta do ano 2000, passamos a dizer para todo mundo escolher uma dieta que fosse moderada nas porções de gorduras, procurando apenas consumir um pouco menos daquelas que fossem saturadas, na maior parte das vezes de origem animal, bem como alimentos ricos em colesterol."
A maior razão da mudança de devolver pitadas de gordura ao cardápio foi simples: a constatação de que as pessoas preocupadas com a saúde cardiovascular, com os olhos totalmente fixados nos teores de gordura de tudo o que levavam à boca, estavam ocupando o seu lugar no prato com opções tremendamente ricas em carboidratos refinados, como pães e doces.
"O problema é que, com isso, estamos promovendo uma explosão de casos de pessoas com triglicérides nas alturas", ensinou a doutora Alice. "Isso porque, quando temos uma quantidade muito alta de glicose na corrente sanguínea e ela não consegue ser aproveitada imediatamente pelo organismo, é o fígado que irá lidar com esse excedente de energia, empacotando-a não apenas na forma de moléculas de triglicérides, mas como colesterol de baixa densidade, o LDL, também."
Ou seja, para quem teme a elevação do colesterol ruim e, nessa gangorra, a derrocada do colesterol bom, que ajuda a prevenir placas nas artérias, simplesmente trocar as gorduras por carboidratos foi uma espécie de roubada para o peito, que continuou ameaçado do mesmo jeito — estão aí os números de infartos, por exemplo, não nos deixando mentir.
Em 2015, porém, tudo mudou outra vez, e o foco foi diminuir ao máximo somente as gorduras saturadas, o que deixou alguns cientistas desconfortáveis porque esse tipo de orientação até causa a impressão de que gorduras, por si, teriam algo de demoníaco, fazendo-nos muito mal. E não é bem assim. Elas são necessárias não apenas como fonte de energia, mas para um sem-número de funções no organismo.
Quando uma entra, outra sai
Não à toa, em uma pesquisa de 2018, 48% dos americanos associavam uma alimentação saudável àquela que evitava todo e qualquer alimento mais gorduroso. Ao mesmo tempo, apenas 28% estavam preocupadas em reduzir os carboidratos refinados
Na opinião da cientista, essa talvez seja a primeira das confusões: na dúvida sobre o que incluir na alimentação, acreditar que é mais seguro melhor tirar os alimentos gordurosos do prato.
Precisamos aprender: tendemos a consumir uma certa quantidade de alimento, por assim dizer. "Daí que, quando cortamos drasticamente um tipo de alimento, algo entra em seu lugar e nem sempre a troca é vantajosa", disse ela que, durante sua participação no congresso, apresentou estudos realizados em diversos países focando a substituição daquelas gorduras, a saturadas, acusadas de não nos fazer tão bem.
Neles, ficou claro o seguinte: sempre que as pessoas substituíam a gordura saturada das carnes e dos laticínios integrais, por exemplo pelas gorduras poliinsaturadas de óleos vegetais como o de milho e o de sejoa e dos peixes de água fria ou, ainda, quando trocavam essa gordura saturada pela monoinsaturada do azeite de oliva e do óleo de cabola, notava-se uma queda importante nos casos de infarto e outros problemas cardiovasculares. Uma bela troca, portanto.
No entanto, o mesmo não parecia acontecer quando, ao invés de comerem outros alimentos mais gordurosos — castanhas no lugar de carnes gordas, por exemplo —, as pessoas passavam a ingerir mais carboidratos simples. O coração se dava mal.
Cápsulas nunca resolvem muito
Uma outra confusão que precisa ser defeita, na opinião de Alice Lichtenstein é cismar em comprar cápsulas de ácidos graxos poliinsaturados, como o famosos ômega 3, querendo garantir a saúde das artérias.
"Não se iluda. Uma cápsula de óleo de peixe não dá na mesma do que saborear uma posta de salmão", avisa. "O motivo não é apenas todos os outros nutrientes que o pescado pode oferecer ao organismo", justifica. "Voltamos à história de que, quando as pessoas passam a ingerir alguma coisa, deixam de engolir outra. Portanto, sem estar no prato, o peixe libera o seu espaço para carnes, cremes e queijos lotados de gordura saturada. Não há cápsula que compense esse consumo. Ao contrário, ela só fornecerá um extra de gordura."
Manteiga e óleo de coco
Eles protagonizam dois enganos recentes, de acordo com a professora americana. "Ambos têm muita gordura insaturada, sendo que o óleo de coco, fiquem sabendo, tem até muito mais do que a manteiga", ela informa. "O irônico este último está constantemente aparecendo em posts sobre alimentação saudável, livros de receitas e notícias da imprensa que o apontam como a saída para a prevenção de doenças crônicas, o que pensando na saúde cardiovascular não faz o menor sentido."
Para Alice Lichtenstein, quando os cientistas querem saber se uma gordura aumenta ou não os riscos cardiovasculares, basta ver o que acontece com os gráficos dos níveis de LDL em seus consumidores - ele é um marcador de que, amanhã ou depois, o coração poderá pasar por apuros.
Pois bem, não se enganem: esse colesterol, que costuma se depositar nas paredes dos vasos, sobe com o consumo rotineiro de óleo de coco e cai, de acordo com os estudos, quando esse ingrediente é substituído por óleo de soja, de milho e de oliva ou, ainda, quando é simplesmente retirado da dieta sem qualquer fonte de gordura em seu lugar. "Por mais que exista um marketing alegando vários benefícios, para a ciência fica evidente o que esse óleo não é uma boa escolha", afirma categórica.
Segundo a cientista, um fenômeno parecido acontece com a manteiga, que vem sendo tema de matérias alegando que não há mais qualquer motivo para evitá-la. "De novo, não dão respaldo para esse tipo de afirmação", diz.
De onde veio então a ideia de liberar de vez a manteiga? De estudos observando que indivíduos que consumiam o ingrediente diariamente não pareciam sofrer mais de infartos do que aqueles que abriram mão de passá-la no pão ou usá-la na panela.
"Esse é o perigo de você olhar para um alimento isoladamente em vez de examinar dieta com um todo", esclarece a nutricionista."Alguém que costuma consumir manteiga pode não ter problemas no coração por causa de todos os outros itens do seu cardápio", conta.
No entanto, um estudo que promoveu o empate direto da manteiga com o azeite de oliva mostrou que ela, ao contrário do óleo das azeitonas, é capaz de elevar o colesterol ruim. Então, não é para passar aquela manteiga na torrada de vez em quando? Até pode, com a palavra que os nutricionistas mais gostam de usar — moderação — e, claro, que seja uma torrada integral, já que o conjunto do cardápio pode fazer com que nenhuma gordura, sozinha, seja assim tão terrível.
Dieta: os enganos que a gente comete quando fala de gorduras boas e más - VivaBem
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