O Brasil não atingiu nenhuma das metas de cobertura das vacinas infantis disponíveis pelo PNI (Programa Nacional de Imunização) em 2020. Apesar de gratuitas, seguras e eficazes, a imunização ficou em apenas 75% (o ideal são taxas sempre acima de 90%), no ano passado, acentuando uma queda que vinha desde 2015 e que abre as portas para que doenças já erradicadas do país ressuscitem.
A vacinação infantil é obrigatória no Brasil, segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). No caso do Bolsa Família, por exemplo, a não vacinação das crianças leva à suspensão do benefício. Veja aqui o calendário completo do Ministério da Saúde.
O índice de vacinação brasileiro regrediu, no ano passado, a taxas de cobertura similares a dos anos 1980. A pandemia é apenas um dos fatores que explicam o fenômeno, já que a cobertura vacinal cai há pelo menos seis anos.
"Sem dúvida, a desinformação é a principal causa da queda da cobertura vacinal. As pessoas --incluindo aí vários profissionais de saúde-- desconhecem os calendários vacinais para adolescentes, gestantes, adultos, idosos e imunodeprimidos. Some-se a isso o desserviço prestado pelas fake news e eis o resultado desastroso que estamos vendo", analisa Rosana Richtmann, infectologista e diretora do Comitê de Imunização da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
O documento "Panorama da Cobertura Vacinal no Brasil", do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), lançado em maio, diz que "o Brasil e o mundo têm visto as vacinas se tornarem vítimas de seu próprio sucesso."
"Como as imunizações controlaram doenças, as pessoas pensam que não precisam mais se proteger e abrem mão da vacinação, sem se dar conta que ela precisa acontecer de forma contínua", explica Antônio Carlos Bandeira, diretor da SBI e professor da UNI-FTC, Salvador (BA).
O relatório do IEPS mostra que a percepção de baixo risco por conta do enorme declínio na prevalência e/ou erradicação de doenças imunopreveníveis e o aumento da preocupação com a segurança e confiabilidade das vacinas têm levado a uma redução na cobertura vacinal e ao ressurgimento de surtos de doenças.
Doenças de volta
O melhor exemplo disso ocorreu com o retorno do sarampo, que reapareceu após anos de erradicação. "Ele voltou por causa das baixas coberturas vacinais", afirma Renato Kfouri, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
A proteção contra a doença está inclusa na vacina tríplice viral, que protege também contra caxumba e rubéola. Ela é dada de forma gratuita em duas doses pelo SUS (Sistema Único de Saúde) nos postos de saúde.
Em 2016, a OMS (Organização Mundial de Saúde) conferiu ao Brasil o certificado de erradicação da doença. Três anos depois, o país perdeu a certificação.
Em 2019, o país registrou 20.901 casos da doença. Em 2020, foram confirmados 8.448 casos de sarampo. "Hoje estamos com circulação ativa do vírus do sarampo, que segue agora ampliando. Os números caíram no último ano não pela vacinação, mas pelas medidas não farmacológicas contra a covid-19", completa.
Uma das preocupações dos pesquisadores é que, com o paulatino retorno às atividades normais com o avanço da vacinação contra a covid-19, outras doenças transmissíveis devem fazer mais vítimas.
Temos outras doenças eliminadas no país que podem voltar pela queda de cobertura, como a rubéola materna, a rubéola congênita, o tétano, a poliomielite. E temos várias doenças controladas pela imunização como a coqueluche, a meningite bacteriana, a poliomielite. Renato Kfouri, presidente da SBIm
A queda da cobertura da pólio chama a atenção do presidente da SBIm. Nos últimos seis anos, a cobertura da vacina caiu de patamares acima de 95% e ficou em 76% em 2020. Nas regiões Norte e Nordeste, essas coberturas foram ainda menores: em 65% e 72%, respectivamente.
A vacinação contra pólio sempre foi um símbolo da vacinação infantil no país e deu origem ao símbolo da imunização brasileira, o "Zé Gotinha".
Hoje, entretanto, em vez de gotinhas a cada 15 meses, a vacina é injetável e dada em doses a partir de dois meses de vida.
O último caso de poliomielite no Brasil ocorreu em 1989, na Paraíba, mas como o vírus ainda segue circulando no mundo (é endêmica em Paquistão e Afeganistão) o mundo ainda não se livrou.
"Nos preocupa com a crise do Afeganistão. Já era difícil controlar —imagina agora com esses problemas deles?! Além disso, vamos ter uma maior circulação das pessoas de lá no planeta, e esse vírus pode retornar. Falta pouco para erradicarmos ela do mundo, mas com as baixas coberturas —que não ocorrem apenas no Brasil— fica difícil", diz Kfouri.
Na prática, basta que uma criança aqui não vacinada tenha contato com uma outra que tem o vírus, e a doença pode iniciar um ciclo endêmico novamente no país. "A pólio é uma doença que não tem cura, mas pode ser evitada com a cobertura vacinal", completa.
Quedas e campanhas
O documento do IEPS destaca que a maior queda de cobertura vacinal ocorreu com a hepatite B em crianças de até 30 dias, que registrou uma perda de 16 pontos percentuais em um ano, seguida pela BCG (tuberculose) e a primeira dose da tríplice viral, que sofreram reduções de aproximadamente 14 e 15 pontos percentuais, respectivamente.
"Com exceção da pneumocócica, os percentuais de cobertura de todas as vacinas analisadas foram inferiores a 80% em 2020", diz o documento.
Renato Kfouri aponta que pessoas mais jovens tendem a não perceber a importância da vacinação. "São doenças que as pessoas não conhecem, nunca viram e acham que não precisavam se vacinar, ou vacinar seus filhos. A gente já vinha percebendo isso até 2019, e 2020 com o problema da pandemia só piorou", aponta.
Além da complacência, temos também vários fatores como a falta de confiança nos governantes e profissionais de saúde; conveniência de horários; o crescimento de movimento antivacina; a comunicação contínua falha. Não existem hoje campanhas para vacinar contra todas as doenças, isso atrapalha a todos. Renato Kfouri
Ele lembra ainda que uma das coisas que precisa ficar claro à população é que a vacina não é só uma proteção individual. "Veja no caso da pólio: a gente tem que ter 95% de cobertura vacinal porque há pessoas que não podem tomar. A cobertura elevada protege aqueles que não podem fazer determinadas vacinas. É o que chamamos de imunidade coletiva, que protege pelo seu entorno, por exemplo, a criança imunodeprimida", explica.
Para ele, a chave da retomada está em campanhas educativas e informativas. "A gente tem visto, no caso da covid, que o brasileiro acredita em vacina. Isso é consequência do nosso PNI, que sempre levou um recado de confiança e segurança que a população acredita muito. O Brasil vai ser um dos países que terá maior cobertura contra a covid, mas precisamos reverter também a baixa cobertura de outras doenças", afirma.
"Temos um calendário maravilhoso, muito completo, com vacinas seguras, eficazes e gratuitas", afirma Kfouri.
Ministério cobra municípios
A VivaBem, o Ministério da Saúde afirmou que a imunização seguiu e segue como rotina durante a pandemia e pede para que a população procure os postos de saúde para atualizar a caderneta de vacinação.
"A pasta recomenda que os processos de trabalho das equipes de saúde sejam planejados com o objetivo de imunizar o maior número possível de pessoas contra as doenças, conforme orientações do Calendário Nacional de Vacinação", diz.
O ministério ainda orienta que os gestores municipais de Saúde estabeleçam parcerias locais com instituições públicas e privadas, para descentralizar o máximo possível a vacinação.
"Além disso, cada município deve estabelecer estratégias, considerando ampliar as coberturas vacinais, no intuito de atingir as metas de vacinação", alega.
Campanha Movimento Vacinação
Para alertar sobre a importância de manter as vacinas em dia, a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) lança hoje (29) a campanha Movimento Vacinação, que visa conscientizar sobre os riscos da queda da cobertura vacinal no Brasil.
Confira os conteúdos da campanha aqui no UOL e também no site http://movimentovacinacao.com.br/.
Queda em taxas de vacinação deve 'ressuscitar' doenças erradicadas do país - VivaBem
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