Desde a infância, a médica nutróloga Paula Frederichi de Souza percebia que suas panturrilhas eram maiores em comparação a de outras crianças e, por causa dessa condição, não conseguia ter botas brancas de cano alto que faziam sucesso na sua geração. Foi só no início da fase adulta, depois de dietas restritivas por achar que o acúmulo de gordura nas pernas seria eliminado com a perda de peso, que ouviu o diagnóstico que a libertou: lipedema.
Lipedema é uma doença vascular crônica, que acomete mais mulheres, associada a questões hormonais, e que tem como principal sintoma o inchaço nas pernas. Não está relacionada ao peso da pessoa, e pode gerar dores na região, sensibilidade ao toque e, esteticamente, uma noção de desproporção corporal. Para Paula, também foi motivo de depressão, crises de ansiedade, baixa autoestima e isolamento. Mas há quatro anos uma cirurgia plástica mudou isso.
A seguir, ela conta para Universa como sua experiência com o lipedema a inspirou a trabalhar informando outras mulheres sobre a doença, e como redescobriu a autoestima a partir do diagnóstico.
Medo de mostrar as pernas
"As pernas inchadas viraram uma questão quando, na infância, queria uma bota branca de cano alto e não tinha nenhuma que coubesse nas minhas pernas.
Foram anos de sofrimento. Nas festas de pijama da escola, as meninas iam de shortinhos e eu ia de calça. Tinha muitas crises de ansiedade antes de qualquer evento. Sempre torcia para que mais alguém fosse para os passeios de calça, porque assim não seria a única que não usava shorts. E, se fizesse sol e precisasse colocar biquíni na frente das pessoas? Passei por tudo isso, principalmente na adolescência.
Ia a muitos médicos e eles diziam que era obesidade. Então, o diagnóstico de lipedema me ajudou a entender que aquilo tinha um nome e que não era culpa minha. Porque tentava de tudo para mudar, emagrecia, mas não tinha nenhuma mudança nas minhas pernas.
Se usasse algumas calças que mostrassem mais meu tornozelo, sempre ouvia comentários: 'Senta, está acontecendo alguma coisa, sua perna está muito inchada'.
Para tentar mudar isso, me sacrifiquei: fiz muitas dietas restritivas, malucas. Ficava magra, o rosto afinava, a barriga sumia, mas não a gordura na perna. A frustração com isso me fazia ter compulsão alimentar; então, engordava de novo. Sem contar que todo dinheiro que tinha gastava em tratamentos estéticos.
Aos 25 anos, resolvi fazer a cirurgia plástica. Não era estética, era porque sentia muitas dores, ficava com muitos roxos na pele. É uma dor sensível ao toque. Operar o lipedema é como fazer a cirurgia bariátrica, costumo dizer: se você não 'operar a cabeça' e continuar com um tratamento, não muda nada.
Foram seis litros de gordura eliminados do joelho para baixo. Foi o que me deu uma qualidade de vida, autoestima. Eu já fazia faculdade de medicina e não conseguia ficar em pé por muito tempo no centro cirúrgico. Sei que a cirurgia é uma solução momentânea, porque o lipedema é uma doença crônica mas ela também foi capaz de me dar a perna com o desenho que sempre quis ter.
No caso do lipedema, é preciso se cuidar: tomar medicamentos anti-inflamatórios, fazer atividades de baixo impacto, dietas equilibradas e específicas, usar meias compressoras indicadas para isso. É isso que também recomendo às mulheres que acabam buscando informação por meio da entidade que criei, a Associação Brasileira de Pacientes com Lipedema.
Ali, encontro pacientes com a autoestima zero, que não tem relações sexuais por vergonha do corpo. Sempre digo que é preciso fazer as pazes com o espelho, como eu fiz.
É importante dizer que a gordura pode voltar a se acumular ali, dependendo do estágio da doença. A literatura médica ainda não explicou muito bem porque ela aparece, mas sabemos que há mais mulheres — que nem sempre têm o diagnóstico certo.
Aliás, médicos de qualquer especialidade podem aprender a lidar com o lipedema, é só ouvir o que a mulher tem a dizer sobre a saúde dela, sobre as questões emocionais, hormonais. Estudo nutrologia porque acredito que esse é um dos caminhos para ajudar. Pensando na alimentação.
A Associação serve para reunir as pacientes que querem ter a mesma sensação de libertação que eu tive. Hoje, voltaram as celulites ali, minha perna voltou a aumentar, mas estou em um processo de autoaceitação muito grande. Já fui a um parque aquático com meu noivo, algo que jamais faria antes. Uso mais vestidos. E, toda vez que entro em uma loja de sapatos, faço questão de experimentar as botas de cano alto, que hoje consigo usar."
'Após tirar gordura das pernas por doença, fiz as pazes com espelho' - UOL
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