Rafaella Calil, 28 anos, tinha uma preocupação excessiva com o peso e investiu em táticas nada saudáveis para emagrecer. A advogada começou a perceber que a busca por um padrão estético prejudicava a saúde física e mental no velório da mãe, quando estava "destruída" e recebeu elogios por estar magrinha. A seguir, Rafa conta sobre as questões com a balança e como a corrida foi importante para superar o problema:
"Não consigo me lembrar exatamente quando comecei a me preocupar com o corpo e o peso, mas sei que foi ao entender que era mulher. Desde então, por muito tempo não pude comer sem ter medo de engordar. Ainda estou trabalhando isso e evoluindo a cada dia, mas haja análise para combater o incômodo.
Aos 11 anos, uma história me marcou muito. Um dia, comi muito frango empanado, acabei passando mal e vomitei. Ao contar para um adulto, a resposta foi: 'Pelo menos você emagreceu'. A frase foi curta, mas o significado, imenso. Aquela afirmação me permitiu pensar que valia tudo para ser magra.
Quando menstruei, a questão ficou ainda mais marcante. Com os hormônios, 'encorpei': ganhei coxas, bumbum, seios. Isso me incomodou tanto que passei a pesquisar sobre dietas e testar de tudo para emagrecer. Tenho lembranças de vários números na balança, de tanto que acompanhava meu emagrecimento. Sei dizer, por exemplo, o meu peso exato no dia da minha festa de 15 anos, porque, em vez de estar animada pela comemoração, eu estava preocupada com a balança.
Aqui, já vou deixar claro que nesse texto não vou dizer em nenhum momento meu peso atual ou o peso que estava em algumas fases da vida, para não incentivar pessoas a tentarem alcançar o mesmo número.
Dietas e alternativas mais pesadas
Depois que comecei a fazer várias dietas, foi difícil ter um limite. De início, restringi a quantidade de comida, depois resolvi tirar o açúcar, e depois os carboidratos. Então, passei a só tomar shakes e cheguei na fase em que pedi para tomar remédio para emagrecer.
Eu era muito nova, tinha uns 15 anos. Pentelhei todo mundo para tomar, sem pensar que não havia necessidade alguma de usar uma medicação e sofrer com os efeitos colaterais, já que minha questão era puramente estética e eu tinha uma imagem distorcida do meu corpo.
O medicamento me deixava com a boca seca, ansiedade e, me desculpem pela intimidade, constipação das fortes, daquelas que me afastavam do banheiro por mais de uma semana. Mas era difícil enxergar isso. Eu só via que estava perdendo peso. E quanto mais magra eu ficava, parece que mais elogios vinham —e mais aumentava minha necessidade de controlar o peso.
Os remédios geravam um efeito rebote (ou sanfona). Emagrecia muito e depois engordava muito, em uma reação perigosa que me fazia querer voltar para os remédios. Engordei estudando para o vestibular e tomei remédio pois queria entrar na faculdade magra; engordei ao trabalhar demais no estágio e fiz loucuras para perder peso pois queria me formar magra. A luta era constante.
Cheguei a buscar alternativas como laxante, algo muito nocivo à saúde (de quem não precisa e usa por estética). A busca pela magreza tirava até minha liberdade. Às vezes eu tomava laxante quando estava no litoral e me privava de curtir a praia, pois precisava ficar em casa, perto de um banheiro.
Aliás, sempre que viajava a preocupação ia junto. Uma vez fui para a Disney e levei ovo, frango, maçã e whey protein na bolsa para não comer besteira no parque. Cheguei a entrar em pânico e chorar quando li errado o cardápio e pedi um prato que vinha com fritura. Lembro da dor de ver a cara do meu namorado naquele momento. Nessa hora, percebi que as minhas restrições afetavam as pessoas que eu amava e esse foi um dos primeiros alertas para eu começar a repensar meus hábitos.
Câncer da minha mãe mudou a perspectiva
A minha mãe sempre fez exercícios físicos, ela amava treinar e fazia por prazer. Mas aí descobriu um linfoma não Hodgkin, que é um tipo de câncer linfático. Foi internada e tudo ficou muito difícil.
Ela não podia fazer quase nada, mas mesmo assim me pedia para levar uns elásticos para o hospital para não ficar parada. Havia fases em que ela podia correr e aproveitava, fazia daquilo um refúgio e eu ficava impressionada com a força daquela mulher.
Quando ela ficou doente foi a minha fase mais magra, não sei nem dizer como isso aconteceu, eu simplesmente não comia nada.
A situação da minha mãe foi muito difícil e eu sentia que tinha perdido o controle da vida. Então, eu me voltei para a dieta e para os exercícios com todas as forças, era como criar um pequeno universo em que eu conseguia controlar tudo.
As pessoas me falavam que eu estava muito magra e eu achava ótimo. Foi assim até o dia do velório dela, Maria Rita, minha mãe. Eu estava destruída e uma das pessoas me disse: 'Você está tão magrinha, né? Que legal'.
Na hora me deu um estalo, eu estava magra por estar sofrendo o pior momento da minha vida, como alguém achou que aquilo era algo bom, um elogio? Foi tão agressivo, tão inapropriado. A mensagem é que 'estar magra é mais importante do que qualquer coisa, você está destruída pela perda da sua mãe, mas está magra, não pode ser tão ruim'. Foi horrível.
Minha mãe perdeu muito peso durante o tratamento e eu pensava: 'Ela está pálida, está fraca'. A minha ficha começou a cair, estar tão magra era sobre estar doente, não era saudável, para ter força para viver é preciso comer, se cuidar. Com a doença dela e a força para se manter saudável, ter prazer e refúgio no esporte, eu comecei a repensar minhas escolhas —tudo no meu tempo e com os respiros necessários para passar pelo luto.
Fim dos transtornos e a paixão pela corrida
Encontrei uma nutricionista focada em transtornos alimentares, uma psicóloga que me acolheu e comecei uma transformação. Um dia fui na academia e todos os aparelhos estavam lotados, então decidi correr. Depois, não parei mais...
Eu simplesmente comecei a amar a sensação de que na corrida eu me desafiava a cada dia, comemorava conquistas, suava e extravasava.
Eu me apeguei no esporte durante o luto e foi bom para mim. Quando vi, já estava correndo 15 km, achei um treinador incrível e logo completei uma meia maratona (21,097 km).
Correr ainda me ajudou a redefinir a minha relação com a comida, já que sem comer direito não aguentaria os treinos e provas. Passei a tomar gel de carboidrato, acredita? Sabe o que significa para alguém que não comia alimentos com carboidrato usar um suplemento desse? Conquista!
A corrida é um esporte que se basta, não é um meio para emagrecer, tornou-se a minha atividade, que me faz me sentir forte. Entendi que o esporte não é sobre ser a mais rápida, é sobre superar meus limites.
Antes eu não via nada de bom na vida se meu corpo não fosse magro, hoje eu vejo valores em outros lugares, entendo meu corpo como um dos pilares da vida e não o único.
Superei os transtornos alimentares e documento tudo no meu Instagram com a maior verdade. Quero acolher aquela Rafaella de 11 anos que achava que precisava se adequar a um padrão estético para ser feliz.
É preciso mostrar que está tudo bem em 'ser você', em engordar na pandemia, em querer descansar. O processo de aceitação é demorado, mas é lindo e poderoso. Essa história é sobre mim, mas se uma pessoa se encontrar, se animar, colocar um tênis e sair correndo depois de ler algo aqui, já fico muito feliz, pois sinto que a ajudei."
Após morte da mãe, corrida ajudou Rafa a ter saúde: 'Antes via só o peso' - VivaBem
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