Mais de um ano e sete meses depois do início da Covid-19, cresce em todo o mundo a expectativa por um retorno normal à vida com o avanço da vacinação.
Com a chegada de novas variantes mais contagiosas e cada vez mais adaptadas às populações humanas, como a delta, porém, surge a dúvida se a Covid-19 é uma doença possível de ser erradicada ou se ainda vamos conviver com o coronavírus Sars-CoV-2 por muitos anos.
Na comparação com outras doenças infecciosas que desafiaram a humanidade no passado, como varíola e poliomielite, é possível erradicar a Covid-19 de maneira mais fácil que a poliomielite, mas com um pouco mais de esforço do que foi necessário para a erradicação da varíola.
É isso que argumenta um grupo de cientistas neozelandeses em artigo publicado nesta segunda-feira (9) na revista especializada BMJ (British Medical Journal).
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores desenvolveram um escore (uma nota) para quão propensa à erradicação é uma determinada doença, analisando 17 variáveis —que vão desde questões técnicas, como a existência de vacinas eficazes contra o agente infeccioso, até socioeconômicas, como o investimento público em outras medidas preventivas e a aceitação popular tanto da vacinação quanto de outras barreiras protetoras.
Cada um dos fatores recebe uma pontuação de 0 a 3, sendo que notas maiores correspondem a maior facilidade de erradicação. No ranking das três doenças, a varíola, já erradicada mundialmente, pontuou mais alto (nota média de 2,7), seguida pela Covid-19 (nota média 1,6) e, por fim, a pólio (nota média 1,5).
Antes de destrinchar os fatores mais importantes para cada um dos agentes infecciosos, a definição dos conceitos de controle, eliminação e erradicação de uma doença é importante. Uma doença é considerada controlada quando há a redução da incidência (taxa de casos por 100 mil habitantes), prevalência (porcentagem amostral da população atingida pela doença), morbidade (número total de mortos) ou mortalidade (taxa de mortos por 100 mil habitantes) para um número aceitável em determinado local, devido aos esforços empenhados para a sua redução.
Já a eliminação de uma doença acontece quando a incidência chega a zero em determinada região, também como resultado dos esforços para seu controle, mesmo que o agente infeccioso ainda represente risco eminente. Podemos pensar na redução dos casos da dengue como um sucesso local, mas a população do mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus, ainda causa preocupação.
Por fim, a erradicação de uma doença acontece quando há a redução permanente para zero de incidência de uma doença infecciosa, e o agente infeccioso não consegue mais encontrar indivíduos suscetíveis em todo o mundo. É o caso da varíola.
No estudo, os cientistas deram a pontuação máxima para varíola em diversos fatores, incluindo a existência de uma vacina eficaz e segura (mais de 95% de eficácia), capaz de induzir uma proteção que dura por anos, a ausência de reservatórios naturais do vírus e o investimento pesado feito tanto na campanha de vacinação global quanto nas medidas de controle de casos.
Já a Covid-19 tem como principais pontos fortes a favor da sua erradicação o interesse global em controlar a doença, uma vez que os impactos socioeconômicos, além de demográficos, nos dois últimos anos ainda estão sendo mensurados, e a eficácia de medidas protetoras não-farmacológicas de baixo custo, como distanciamento social, uso de máscaras, higiene das mãos, ventilação de ambientes e rastreamento de contatos.
No entanto, embora o desenvolvimento das vacinas contra Covid-19 tenha sido um marco histórico, as vacinas existentes, em sua maioria, protegem contra o desenvolvimento da doença, hospitalização e morte, mas ainda não são capazes de bloquear a transmissão do vírus, por isso receberam nota 1 nesse quesito.
Outro problema, argumentam os autores, é a hesitação vacinal, em grande parte devido às campanhas de desinformação e fake news que foram produzidas e espalhadas na pandemia.
Para Nick Wilson, pesquisador e professor de medicina na Universidade de Ottago, na Nova Zelândia, e primeiro autor do estudo, o sucesso de diversos países asiáticos como Hong Kong, Taiwan, Vietnã e a própria China em controlar a Covid-19 durante boa parte de 2020 demonstra como as medidas preventivas não-farmacológicas funcionam quando aplicadas em larga escala.
Em relação às vacinas contra Covid, Wilson acredita que as fórmulas altamente tecnológicas, como as que usam RNA, podem ser prontamente atualizadas para as novas variantes do vírus que surjam, o que ajudaria a elevar o seu potencial de proteção.
Mas ainda é incerto por quanto tempo dura a imunidade contra o coronavírus —seja induzida por vacinação ou por infecção natural. “Por isso, a combinação de medidas não-farmacológicas, como foi feito na Nova Zelândia, e o avanço da vacinação podem, pelo menos em teoria, permitir a erradicação da Covid-19 globalmente”, afirma.
Mesmo com a ocorrência de novas variantes, os pesquisadores apostam que o vírus deve evoluir para novas formas até atingir um pico evolutivo, e não de forma contínua. “Variantes mais transmissíveis e com capacidade de fugir da proteção dada por vacinas são o principal desafio [para erradicação da Covid], mas a seleção natural de formas mutantes mais transmissíveis deve ser em grande parte contida pelas vacinas”, explica Wilson, ao comparar a doença com o sarampo, muito mais transmissível, e que foi considerado eliminado das Américas em 2016 (no Brasil, o vírus voltou a circular em 2018). “Isto é o que podemos alcançar com boas vacinas”, diz.
Erradicar Covid é possível e mais fácil que zerar poliomielite, diz estudo - Folha de S.Paulo
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