Na reta final da gravidez, Sarah Chaves, 36, que mora em Santos (SP), viveu o pesadelo de muitas mães: testou positivo para a covid-19. Preocupada com sua saúde e do bebê, ela procurou atendimento em quatro hospitais diferentes da cidade, mas só foi aceita para internação no último, quando já estava com 50% do pulmão comprometido. O caso aconteceu em março deste ano, quando as cidades registravam lotação máxima dos leitos de covid-19, mas só nesta semana Sarah decidiu compartilhar os momentos dfíceis que enfrentou.
“Estava na 37ª semana de gestação quando meu marido voltou a trabalhar presencialmente. Um tempo depois, ele começou a apresentar sintomas da covid-19 e logo em seguida, eu também. No começo tive febre e com o passar dos dias muito cansaço, suor frio, calafrios e falta de ar. Fiquei desesperada. Foi na mesma época em que tudo fechou na cidade. As notícias diziam que os hospitais estavam todos lotados, ficamos muito preocupados. Fomos correndo fazer o teste de farmácia e o resultado para nós dois foi positivo”, conta em entrevista à CRESCER.
Com medo de que algo acontecesse com o bebê, no mesmo dia em que receberam o resultado do teste rápido, Sarah e o marido Robson, 37, decidiram ir ao Hospital Casa de Saúde de Santos, onde o nascimento de Isaac estava previsto para acontecer em alguns dias. “Fui encaminhada para a parte de clínica geral, onde cuidam das pessoas que estão com covid. Logo na porta já vimos os avisos que diziam que o hospital estava lotado. Na entrada, uma moça media a saturação e só deixava entrar quem estava com o índice baixo. Apesar de ver que eu estava com o barrigão, ela não me deixou ser atendida porque minha saturação estava alta”, relembra.
Sarah nem imaginava o quanto seria difícil encontrar um hospital disposto a interná-la para monitoramento nos próximos dias. Depois de conferir quais outras instituições da cidade aceitavam seu plano de saúde, ela tentou dar entrada no Hospital Santo Expedito. Mais uma vez, sem sucesso. “Disseram que não atendiam grávidas, só permitiram que eu fizesse o teste de laboratório para a covid-19, que também confirmou que eu estava com o vírus”, conta.
Já no terceiro dia depois do diagnóstico e sem melhora dos sintomas, o casal decidiu buscar atendimento em outro hospital, a maternidade São Lucas. “Eles estavam com muito medo de me atender. A médica me recebeu de longe, cerca de três metros de distância, com três máscaras e só fez perguntas. Não quis nem tocar em mim ou fazer o ultrassom para checar o bebê. Precisaram encontrar um outro médico, que provavelmente já teve covid, para realizar o procedimento”, afirma.
O exame de ultrassom revelou que Isaac, que se aproximava do dia do nascimento, estava abaixo do peso recomendado e com estatura menor do que a normal. Além disso, o líquido amniótico, responsável por envolver o embrião, estava baixo. “Mesmo assim, não quiseram me internar porque diziam que minha saturação, a taxa de oxigênio no sangue, estava alta. Essa era sempre a justificativa. Não fizeram o exame do tórax para checar o estado dos meus pulmões", disse Sarah.
Forma grave da covid-19
Sarah voltou algumas vezes ao hospital para receber medicações, na tentativa de controlar os sintomas persistentes, mas sempre era encaminhada de volta para a casa. Na madrugada do dia 2 de abril, quase duas semanas depois do aparecimento dos sintomas da covid-19, ela teve uma forte crise de falta de ar e a família decidiu buscar atendimento em um 4° hospital, o Ana Costa. “Já não aguentava mais. Estava muito debilitada. Lá, os médicos solicitaram uma tomografia e descobri que já estava com 50% do pulmão comprometido - mesmo com a saturação alta. Eles me atenderam com urgência e me encaminharam para a sala de internação, onde me medicaram com antibiótico. A equipe parecia desesperada e perdida. Depois de tudo, me disseram que não poderiam me internar porque não tinha quarto vago. Insistimos muito, meu marido ameaçou até chamar a polícia, e finalmente conseguimos uma vaga. Eu já tinha esperado por 12 horas em uma cadeira de rodas dura aos 9 meses de gestação, estava cansada”, diz a mãe.
No primeiro dia de internação, de acordo com Sarah, duas médicas tentaram convencê-la a induzir o parto. "Eu respondi: 'Ninguém vai tirar meu bebê, não há condição de eu ter um parto normal. Na manhã seguinte, a diretora de ginecologia do hospital veio conversar comigo e concordou com a minha opinião. No ultrassom, detectou-se que eu não tinha mais líquido amniótico. A partir daí, começamos a monitorar de perto o Isaac com dois exames diários. Eu queria salvar meu filho. Se fizesse o parto naquele momento, eu teria que ser entubada, não queria. Precisava ser forte para que ele sobrevivesse."
Além do marido, que deixou o trabalho para se dedicar exclusivamente a saúde da esposa, Sarah conta que o período foi muito complicado para a sua mãe, que se enquadra no grupo de risco e não poderia ter contato com a família. “Imagina a agonia que ela sentiu de ver a filha e o neto morrendo e não poder ajudar?”, questiona.
O nascimento
Isaac nasceu dia 10 de abril com 47 cm e 2,800kg por meio de uma cesariana. “A médica que fez o parto olhou nos meus olhos e disse: ‘Vou fazer de tudo para salvar sua vida’ e assim o fez. Ela foi um anjo. Eu tive a chance de poder ter meu filho”, conta Sarah.
Por coincidência, o nome bíblico do primeiro filho do casal, que já tinha sido decidido antes da covid, representa o milagre de Deus na vida de Sarah e Abrãao. “Ele foi exatamente isso para mim. Eu tenho um diário que escrevi toda essa história junto com as fotos dessa época para contar para ele no futuro e mostrar como nós lutamos juntos. Eu chorei, todo mundo do hospital ficou emocionado. Quando eu o vi ali saudável, só conseguia sentir gratidão. Nós nos salvamos”, diz emocionada.
O menino, que já recuperou os quilos nestes últimos três meses, não nasceu com os anticorpos contra a covid-19. Os médicos disseram que ele não teve nenhum contato com o vírus, mesmo estando na barriga da mãe. Agora, já vacinada, Sarah segue amamentando o pequeno e torcendo para que a imunização aconteça através do leite.
Sarah finaliza o depoimento agradecendo a Dra. Pia, responsável pelo parto do filho e o Hospital Ana Costa. "A minha intenção não é falar mal de hospital, nem entrar com ação. Quero alertar as grávidas para que elas se cuidem. Se eu, dentro de casa peguei, imagina as que passeiam? Precisamos levar a sério."
O que dizem os hospitais?
Casa de Saúde de Santos
"Não transmitimos informações sobre os pacientes internados em nosso hospital. Qualquer informação será transmitida apenas aos familiares ou representantes legais"
Hospital Santo Expedito
A equipe de reportagem entrou em contato com o Hospital Santo Expedito, mas, até o momento da publicação, não obteve retorno sobre o caso.
Hospital São Lucas
"A diretoria do Hospital São Lucas de Santos esclarece, primeiramente, que não recebeu nenhuma reclamação sobre os atendimentos prestados à paciente em seus órgãos de ouvidoria ou serviço de atendimento ao cliente, tomando conhecimento apenas através da imprensa.
Com relação aos fatos suscitados pela paciente, a diretoria clínica analisou as fichas e prontuários de atendimento no Pronto Socorro, e concluiu que tais atendimentos foram realizados de acordo com a boa prática médica, não se verificando qualquer irregularidade.
O Hospital São Lucas de Santos permanece à disposição da paciente para sanar qualquer dúvida que exista com relação aos seus atendimentos, respeitando o sigilo médico e a Lei Geral de Proteção de Dados."
Hospital Ana Costa
"O Hospital Ana Costa informa que a paciente Sarah Chaves esteve internada no período de 2 a 12 de abril de 2021. Na ocasião, a paciente recebeu tratamento baseado nos protocolos clínicos mais indicados para o seu quadro de saúde, garantindo sua segurança e recuperação. A instituição reforça que segue integralmente mobilizada para fazer frente à pandemia da COVID-19."
Grávida que teve 50% do pulmão comprometido por covid-19 relata só ter conseguido internação após passagem por quatro hospitais - Crescer
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