“É possível haver internamento, sem haver manicômio”; leia a entrevista com o sócio-proprietário do Núcleo de Saúde Mental
Ainda em concepção, o Núcleo de Saúde Mental que está sendo construído no Crato já é alvo de críticas, elogios e questionamentos. Confira a entrevista exclusiva com o sócio-proprietário da unidade, o médico psiquiatra Thiago Macedo.
A partir de julho de 2022, o Cariri deve contar com uma nova unidade de abordagem psiquiátrica. Essa é a previsão de conclusão das obras do Núcleo de Saúde Mental, um empreendimento privado focado no atendimento integral à saúde de pacientes com transtornos mentais e dependência química. A sua construção deve contar com investimentos na casa dos R$ 6 milhões.
O hospital está sendo instalado na cidade do Crato, onde deverá atender pacientes de toda a região do Cariri e localidades em um raio de 450 km. O projeto vem com o objetivo de tratar transtornos mentais com empenho e oferecer a oportunidade para uma reestruturação na vida dos pacientes.
A estrutura do hospital deve ter, inicialmente, 3.000 m² de área construída, contando com 30 leitos em apartamentos duplos e/ou individuais. Já o Pronto Atendimento deverá contar com um consultório médico e sala de observação. O projeto arquitetônico permite expansão horizontal e vertical para que o edifício acompanhe a demanda ao longo do tempo.
Após a veiculação noticiosa de sua construção, a unidade foi alvo de críticas, elogios e questionamentos. O Site Miséria convidou o sócio-proprietário da unidade, o médico psiquiatra Thiago Macedo, para uma entrevista exclusiva, onde pudesse esclarecer determinados pontos.
Confira a entrevista completa com o médico psiquiatra Thiago Macedo, sócio-proprietário da unidade:
Site Miséria: De onde surgiu a ideia de abrir um hospital psiquiátrico no Cariri? Por que?
Thiago Macedo: Primeiramente queremos desconstruir a ideia de hospital, pois hospitais psiquiátricos remetem a antigos manicômios, que, de forma alguma, se aproximam com a nossa proposta. O Núcleo de Saúde Mental do Cariri foi idealizado com uma concepção inovadora para nossa região, mas que já existe em outros centros e países desenvolvidos. A OMS preconiza a existência de 0,45 leitos por 1000 pessoas, mas no Brasil há uma lacuna absurda, tendo apenas 0,041 leitos para 1000 pessoas. Essa desassistência repercute absurdamente na vida de pacientes que sofrem com quadros agudos graves. Nessa perspectiva, resolvemos trazer para região do Cariri o que há de mais moderno em tratamento ambulatorial e com internamentos breves para pessoas que passam por suplício. Vivemos, ainda, às sombras dos manicômios antigos e muitas pessoas são tratadas de formas inadequadas em comunidades terapêuticas que sequer cumprem com o rigor da definição de um modelo não asilar.
SM: O projeto apresenta a unidade hospitalar com uma alternativa inovadora para tratamento interno de transtornos mentais. Ainda assim, recebeu algumas críticas, inclusive citando a lei antimanicomial (Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001). Há equívoco nas críticas? Por que?
TM: O grande equívoco nas críticas é considerar a lei 10.216 como marco proibitivo pra internamentos. A lei é clara e através dela são listados os inúmero direitos das pessoas acometidas por transtornos mentais. Ela vem para nortear a acertada mudança de planos na assistência, dando ênfase aos serviços da atenção primária e secundária, como CAPS e ambulatórios, proibindo expressamente internamentos em regimes asilares. A lei é perfeita, não há o que questionar. É importante salientar aqui o artigo 4º, em que cita a internação, quando temos a precisa indicação dessa conduta somente na insuficiência de outros recursos. O inciso 2º desse mesmo artigo discorre sobre o que é uma internação adequada e não asilar, que seria com assistência integral, equipe multidisciplinar com médicos, enfermeiros, assistente social, psicólogos, terapeutas ocupacionais, lazer. No caso do nosso serviço, nutricionista, educador físico, arteterapia, musicoterapia.
SM: O hospital anunciou o uso da Eletroconvulsoterapia, o que também chegou a ser criticado na internet. Do que se trata e como o senhor vê as críticas a tal alternativa de tratamento?
TM: Infelizmente, as pessoas que criticam o procedimento ainda estão presas à idéia do eletrochoque do passado sombrio dos manicômios. A humanidade evolui, a medicina evolui e com ela os procedimentos. A eletroconvulsoterapia é considerada um dos mais eficazes e seguros recursos para o tratamento de transtornos mentais graves, como depressão resistente, esquizofrenia, episódios de mania do transtorno bipolar, podendo ser aplicada ambulatorialmente ou com o paciente internado. Idosos, crianças e até gestantes podem fazer o procedimento. Muitas pessoas praticam a crítica pela crítica e não vão a fundo conhecer o que a ciência tem hoje pra oferecer. Além disso planejamos trazer pra região a estimulação magnética transcraniana e uma estrutura para aplicação de cetamina, que é uma das indicações de maior respaldo na atualidade para pacientes com ideação suicida, já que as medicações atualmente utilizadas demoram um pouco mais pra terem o efeito adequado e essas pessoas precisam de uma melhora mais rápida.
SM: A unidade será exclusivamente particular ou já há perspectivas de conveniência? Há expectativa de parceria com o Sistema Único de Saúde?
TM: Um dos grandes entraves para uma estrutura desse tipo ter vínculo com o SUS é quando falamos dos custos. O SUS paga em médica 42 reais a diária de um leito para paciente psiquiátrico. Será que é possível manter consultas com psiquiatra três vezes por semana, psicoterapia, nutricionista, equipe de enfermagem, terapias ocupacionais, educador físico, com esse valor? Por enquanto o Núcleo terá atendimentos particulares, de alguns planos de saúde e teremos um leito destinado exclusivamente ao município do Crato em contrapartida pelo terreno doado em lei municipal. O que não impede que futuramente, com recursos adequados do setor público e compatíveis com o que pretendemos ofertar, haja um convênio nesse sentido.
SM: Serão disponibilizadas também outros tipos consultas por sessão, como psicoterapia individual ou psicanálise?
TM: Sim. O que é importante saber é que o nosso atendimento será centrado no paciente. Então as psicoterápicas, os tipos de abordagem serão de acordo com a demanda do paciente. Teremos atendimentos também ambulatoriais, psicoterapias de várias abordagens e outras áreas de atuação que contribuem imensamente na recuperação mais rápida do paciente em quadro agudo grave.
SM: Quais são as perspectivas a médio e longo prazo e como a abordagem da saúde mental na região deve avançar com a abertura da unidade?
TM: Superaremos todas as críticas negativas por um objetivo maior, que é mostrar a possibilidade de se fazer intervenções reais para o paciente que sofre com quadros graves agudos e que precisam de ambiente seguro e confortável, totalmente planejado pro seu momento. Pretendemos trazer pro Cariri o conceito de ambietoterapia e mudar a médio e longo prazo a triste visão sobre o internamento de pacientes com transtornos mentais. Não podemos fechar os olhos e somente esperar pela iniciativa pública. É possível haver internamento, sem haver manicômio. Viemos para cuidar.
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