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Tuesday, April 4, 2023

Lucia Helena - Quatro controvérsias que os médicos discutem quando pensam em vacinas - VivaBem

No mês que vem, em maio, especialistas de todo o Brasil devem se reunir em São Paulo para mais um "Controvérsias em Imunizações".

O nome já diz tudo: eles irão discutir temas que ainda não são consenso a respeito das mais diversas vacinas. Só há uma certeza escrita em pedra: elas são fundamentais para a saúde. O que não significa a ausência de pontas soltas para a ciência amarrar.

O encontro anual já virou uma tradição que, agora em 2023, completa 20 anos. O infectologista Renato Kfouri, atual vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), assistiu ao primeiríssimo deles, idealizado pelo também infectologista Vicente Amato Neto, fundador da própria SBIm. Desde então, Kfouri tem presença cativa. Aliás, mais do que isso, desde 2018 está à frente de sua organização.

"Cada aula foca em uma pergunta que nós, médicos, ainda nos fazemos", ele me explica. "O especialista responsável por ela justifica a sua opinião pessoal e abre espaço para um debate. No final, tudo o que é discutido vira um livro."

Foi a edição que resume as controvérsias discutidas no ano passado que caiu em minhas mãos. Achei todas curiosas e selecionei quatro exemplos que impactam na decisão sobre quando e como nos imunizarmos.

1. Será que é preciso dar um tempo entre uma vacina e uma cirurgia?

Por incrível que pareça, há pouquíssimos estudos para responder essa pergunta com precisão cirúrgica, se me perdoam o trocadilho. Se você olha para sociedades médicas mundo afora, cada uma dá uma recomendação um pouco diferente.

"Tanto a vacinação quanto a cirurgia mexem com o sistema imunológico", justifica Renato Kfouri. "Portanto, eis questão: será que uma poderia atrapalhar a outra?"

Ninguém quer que as defesas fiquem com a bola dividida entre ajudar o corpo a se recuperar do trauma de uma operação e montar a resposta contra uma doença depois de receber um imunizante. Aí, um lado é capaz de sair perdendo — e, sem dúvida, os dois são importantes.

Os próprios anestésicos podem atrapalhar a imunidade, especialmente em crianças pequenas. Mas isso é muito transitório, não durando mais do que 48 horas.

Mais grave é a secreção de substâncias pelo organismo durante o procedimento cirúrgico em si, enquanto seus tecidos estão sendo cortados, afastados, grampeados... Elas reduzem a atividade de algumas células de defesa e a produção de anticorpos por um período que vai de quatro a doze dias. Nesse intervalo, possivelmente uma vacina não provocará uma resposta das mais esplendorosas.

Mas o caminho, lembre-se, é de mão dupla. De seu lado, a vacina também desencadeia um processo inflamatório que, talvez, tenha uma repercussão negativa na cirurgia.

A conclusão no encontro do ano passado foi de que seria mais prudente esperar de três a sete dias após uma cirurgia para tomar qualquer vacina de vírus inativo e de duas a três semanas para receber um imunizante feito com vírus vivo atenuado.

Saber desse intervalo é importante, por exemplo, para pais que querem manter a carteirinha de vacinação do filho em dia após ele passar por uma operação de emergência ou eletiva, isto é, com data marcada.

E será que mesma orientação valeria para adultos? "Em princípio, sim. Mas toda decisão deve ser baseada no risco de cada indivíduo", responde Kfouri. "No auge da pandemia, se um senhor de 80 anos precisasse ser operado, seria mais recomendável vaciná-lo contra a covid-19 o quanto antes do que deixar isso para depois", exemplifica.

2. Entre duas vacinas contra o herpes zóster, qual a gente deve tomar e quando?

A vacina inativa, feita de pedacinhos de proteínas do vírus da varicela, mal e mal estava aterrissando no Brasil durante o encontro do ano passado.

Sim, é o mesmo vírus da catapora, que permanece latente nos gânglios nervosos por anos a fio até um belo dia despertar, causando erupções dolorosas em um de cada três adultos no planeta, principalmente após os 50 anos.

E o que é chato: um episódio de zóster não garante uma imunidade duradoura. O problema sempre pode dar um bis e provocar neuralgias que não desaparecerão mais tarde.

"Hoje, convivemos com duas vacinas para evitar esse problema", diz Kfouri. "Isso porque já contávamos com um imunizante feito com o vírus vivo, mas atenuado", explica o infectologista.

Não parece haver controvérsia a respeito das vantagens de uma escolha ou de outra. Enquanto a vacina de vírus vivo garante uma proteção em torno de 51% em gente com mais de 60 anos, o imunizante feito de proteínas virais demonstrou uma eficácia bem superior a 90%.

A imunidade desencadeada pela vacina inativada também é mais duradoura e, de quebra, ela pode ser aplicada em pessoas imunossuprimidas, que correriam o risco de adoecer pra valer se tomassem a vacina antiga, com o vírus enfraquecido em laboratório.

Se é assim, qual a grande controvérsia? "A dúvida é sobre o momento ideal para alguém se imunizar após ter tido o zóster", conta Renato Kfouri. "Com a vacina anterior, esperávamos entre seis meses e um ano. Antes disso, os anticorpos formados na fase em que o indivíduo esteve doente destruiriam o vírus atenuado e, daí, a imunização não teria efeito."

Os especialistas agora debatem se, com a nova vacina, continua sendo necessário respeitar esse intervalo mínimo. Parece que não.

"É verdade que não existe uma razão fisiológica para você se vacinar correndo se teve o herpes zóster há menos de seis meses, porque certamente ainda tem anticorpos", diz Renato Kfouri. "Mas, se não há problema e se você vai a uma clínica de vacinação três meses depois da doença, por exemplo, não seria o caso de já aproveitar, sem o risco de se esquecer, postergar e o problema voltar?".

O único senão é o valor do novo imunizante, por enquanto só disponível na rede privada, que faz muita gente aguardar o bolso se encher de moedas.

3. Dengue: qual o tempo de espera para se vacinar após a doença?

O problema aqui é parecido com o da vacinação contra o herpes zóster: os imunizantes disponíveis contra a dengue protegem contra os quatro tipos do vírus, mas são feitos com eles atenuados.

"Mesmo quando a pessoa pega um deles, o organismo desenvolve anticorpos contra os outros três. É o que chamamos de proteção heterotípica", ensina Kfouri.

Esses anticorpos, embora muito bem-vindos, podem atrapalhar a ação de uma vacina dada antes da hora, matando os vírus atenuados de cara, sem dar prazo para o organismo aprender com eles.

A questão é que, no caso de quem já teve dengue, as defesas só enfrentam bem os outros três tipos, aqueles com os quais a pessoa ainda não se infectou, nos primeiros 90 dias. Quando muito, a tal proteção heterotípica após a doença dura uns seis meses.

Daí o dilema: quando dar a vacina, ciente de que, no intervalo entre três e seis meses, em um país onde a dengue é uma ameaça séria, o indivíduo pode pegar um outro tipo do vírus com o Aedes aegypti voando por aí? E mais: sabendo que a infecção pode se tornar perigosamente grave em um novo episódio?

Por enquanto, até que se prove o contrário — inclusive, com a chegada de uma nova vacina este ano —, a recomendação continua sendo aguardar seis meses.

4. Passou da hora de dar adeus ao "Zé Gotinha"?

Ele surgiu em 1986, no Brasil, para incentivar a garotada a abrir a boca para a vacina oral contra a poliomielite, doença gravíssima.

De cada 200 indivíduos infectados por um dos tipos do poliovírus, a maioria crianças com menos de 5 anos, 191 não sentem nada. Outros oito têm sintomas leves, como dor de garganta. E um, infelizmente, fica paralisado. Entre os que têm paralisia, 5% não conseguem mais movimentar os músculos respiratórios e morrem.

"A vacina oral é de vírus atenuado", informa Renato Kfouri. "O problema é que a criança vacinada o elimina pelas fezes e, uma vez na natureza, ele pode recuperar virulência, isto é, a capacidade de infectar pessoas e causar a doença."

No passado, as tais gotinhas tiveram um enorme papel na erradicação da poliomielite em boa parte do mundo, quando havia muitas pessoas com a doença. Perto delas, o número de casos que poderiam ser causados por mutações do vírus vacinal seria mínimo.

Mas hoje, como há bem menos gente com pólio, esse efeito adverso ganha outra proporção e, por isso, o sonho é que o mundo inteiro acabe aderindo a uma vacina injetável e inativada, como a Salk. Só que isso não é nada fácil: "A gotinha é barata, não exige geladeira e, portanto, é acessível em países como o Afeganistão, onde a pólio ainda é uma grande ameaça", observa Renato Kfouri.

No Brasil, a meninada toma a injeção da vacina inativada aos 2, aos 4 e aos 6 meses. Ela protege contra três tipos de poliovírus. Já a gotinha fica, na rede pública, apenas para os reforços — o primeiro entre 15 e 18 meses e o segundo, entre entre 4 e 5 anos de idade.

Nesse esquema, caso o vírus vacinal se modifique na natureza, em tese a população já estaria bem protegida. "Só que 30% das nossas crianças não completaram as três doses iniciais de vacina inativada", lamenta Kfouri. Daí que na prática...

Essa baixa cobertura somada à falta de saneamento básico em muitas regiões do país, com o vírus da vacina oral nos esgotos podendo sofrer uma metamorfose cruel, cria a ameaça real de a pólio reaparecer. Essa situação pra lá de controversa nós é que criamos.

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