Pão-durismo, sovinice, mesquinhez. Existem várias classificações para pessoas excessivamente apegadas a dinheiro e bens materiais. Personagens de desenho exemplificam bem, como Seu Siriguejo, do "Bob Esponja", e o Tio Patinhas. Segundo a revista Forbes, o tio rico do Pato Donald detém, ficcionalmente, US$ 65,4 bilhões, o que o coloca na posição de personagem mais abastado de todos os tempos. Entretanto, ainda assim, guarda a sete chaves sua fortuna e como relíquia a primeira moeda que ganhou na vida.
Fora das telas, ou dos quadrinhos, muita gente se comporta igual (não necessariamente tendo o mesmo patrimônio, mas também não vivendo na pobreza), por pena, medo e ansiedade de gastar. A conta bancária pode estar polpuda, mas dentro de casa os móveis se desfazendo, a geladeira vazia ou com comida da pior qualidade e o armário repleto de roupas velhas e furadas. Há quem até mesmo utilize produtos vencidos, guarde migalhas e dispense tomar banho todo dia.
Nada tem a ver com economizar em supérfluos, para colocar alimento na mesa, quitar uma dívida que só aumenta, pagar um tratamento médico, investir num sonho, como o da casa própria, cursar uma faculdade, viajar para fora do país. Para o avarento, ter que comprar, substituir, contratar, reparar alguma coisa equivale a tirar um escorpião do bolso. Por menor que seja a despesa, vai refletir, pechinchar, procurar alternativas e considerar um desperdício.
Por que aceitar viver na pior?
Na cabeça de quem é obcecado por adquirir e acumular riquezas e sofre em ter que usá-las, mesmo em benefício próprio, geralmente há problemas de fundo psicológico e emocional. Pode ser que essa pessoa tenha sofrido algum trauma por ter passado uma grande crise ou prejuízo financeiro, humilhações, então teme reviver aquilo, ou se apegou demais ao que batalhou para conquistar e até desenvolveu uma compulsão para suprir desejos e carências.
"É frequente profissionais que lidam com casos desses se depararem com pacientes que têm muitos recursos, podem desfrutar, consumir o que há do bom e do melhor, mas levam uma vida sem prazeres, de privações, como se fosse uma necessidade", afirma Henrique Bottura, psiquiatra, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo).
Ainda, segundo o médico, quem se encaixa nessa situação acaba incorporando a avareza como um traço de personalidade facilmente reconhecível. Corre-se o risco de se tornar um indivíduo muito individualista, ganancioso, soberbo, com dificuldades para se relacionar, ajudar, cuidar, amparar, se arriscar, experimentar novidades, se conhecer. A percepção é pessimista ou distorcida. Portanto, todos são interesseiros, fracassar é uma vergonha, valemos o que temos.
Perdendo o controle por dinheiro
Torna-se algo preocupante quando as potenciais consequências já se concretizaram, mas também quando esse "estilo de vida" ameaça a própria integridade e a dos demais. Por exemplo, ao achar que tudo é caro e ser desconfiado, o avarento pode cometer equívocos ou injustiças e ofender, colocar em prova a honestidade alheia e, em casos extremos, dar calote, furtar, mentir, aplicar golpes, minimizar riscos de possíveis acidentes consigo e com terceiros.
Dinheiro torna a rotina um pouco melhor, confortável, segura e divertida, o que é positivo. Os extremos é que não são bons. Isso tanto do lado de quem gasta tudo o que ganha e até mais, como do lado de quem poupa tudo e não usufrui nada. Nos dois, a dor é intensa e se não controlada, só aumenta". Yuri Busin, doutor em neurociência do comportamento, psicólogo e diretor do Casme (Centro de Atenção à Saúde Mental Equilíbrio), em São Paulo.
Outro ponto em comum entre quem, em excesso, consome ou retém é que estão sempre de olho no que os outros possuem, ou em como estão felizes e bem resolvidos (mesmo tendo uma vida simples), para se comparar. No que tange ao avarento, ele não compreende como, sendo tão "esperto" e "superior", pois ajunta e pode comprar o que quiser, ainda sente uma falta interior. Logo, se retroalimenta de acumular e nutrir seu poder aquisitivo, mas em vão.
Não é doença, mas é tratável
Não desfrutar, com satisfação, partilhar e guardar tudo o que dispõe em abundância reflete uma existência empobrecida em muitos aspectos. Ninguém leva para a sepultura os seus tesouros, a não ser faraós, que nem existem mais. Mas, em geral, não adianta família, amigos e colegas de trabalho tentarem demonstrar isso para um avarento, pois, mesmo que saibam o que possa ter ocorrido lá atrás, para ele ter se tornado assim, não são capacitados para ajudar.
Podem —e devem— não tirar sarro, ridicularizá-lo em público, pressioná-lo contra a vontade, e sim falar dos diversos benefícios da psicoterapia, que é indicada por especialistas para reverter dificuldades, sofrimentos, prejuízos. Nessa circunstância, a técnica pode ajudar a compreender o que é uma relação saudável com posses e descobrir formas de se flexibilizar mais e obter equilíbrio. Tratar com medicamentos pode ser útil, mas apenas quando há ansiedade, pânico, depressão.
Porém, avareza, ou o não gastar dinheiro, não define nenhuma doença ou transtorno mental. "Não existem dados para afirmar isso, não está na CID (Classificação Internacional de Doenças) nem no DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)", informa Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e com experiência pelo HC (Hospital da Cidade), em Salvador, na Bahia. Segundo ela, o mais próximo disso seria o Transtorno de Acumulação Compulsiva, relacionado a pessoas que guardam de tudo e não se desfazem de nada.
Medo de gastar? Ser pão-duro pode fazer mal à saúde; veja quando é anormal - VivaBem
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