RIO — O pé humano é uma obra-prima da engenharia e da arte, escreveu Leonardo Da Vinci, que imortalizou a admiração em desenhos. O seu famoso Homem Vitruviano, no entanto, tem mais do que apenas belos pés. Ele possui pés fortes. Da Vinci pode ter tido motivação estética, mas a ciência prova, meio milênio depois, que pés fortes são a chave para uma vida com menos dores e lesões nos membros inferiores.
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Estudo da USP revelou que o treinamento para fortalecer esses membros reduz duas vezes e meia o risco de lesão em corredores e em sete vezes o de queda em idosos. Mesmo para quem não corre nem é idoso há ganhos na diminuição de lesões e dores, afirma a coordenadora do estudo, Isabel Sacco, professora e coordenadora do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana, da Faculdade de Medicina da USP (Labimph/FMUSP). Ela destaca que o fortalecimento é mais importante ainda para os sedentários.
Os pés enfraquecem porque ficam calçados, explicam os cientistas. A vida urbana os enfraquece. Com o passar dos anos, músculos dão lugar à gordura, por mais magro que pareça o pé.
O grupo da pesquisadora da USP desenvolveu um programa público e gratuito de treinamento em casa e que está disponível num aplicativo para Android e no site <soped.com.br>. Ele se baseia no uso de inteligência artificial e prescreve as séries à medida que a pessoa avança no treinamento. Foi com esse treinamento básico, testado em 120 pessoas, que os pesquisadores comprovaram a importância de fortalecer os pés.
Eles recebem e amortecem toda a carga do corpo e nos levam a todo canto. Para isso, são engenhos complexos. São constituídos de 118 ligamentos, 33 articulações, 26 ossos, 21 músculos intrínsecos (no dorso e na planta) e 11 músculos extrínsecos (aqueles que se originam abaixo do joelho e têm inserção no pé).
A título de comparação, quadril, coxa e perna somados têm cinco ossos, quatro articulações, 47 músculos e 50 ligamentos — aproximadamente, porque esse número não é consenso na literatura científica.
Mesmo assim, eles são relegados a segundo plano. Dificilmente passa pela cabeça de alguém exercitá-los. Pior que isso, passam a vida aprisionados em sapatos rígidos e tênis reforçados. Para cientistas como Sacco, os calçados que tiram a liberdade de movimento e atrofiam são os principais inimigos da saúde dos pés.
— Calçados e tênis reforçados apresentam estruturas rígidas e amortecedoras que, com o uso constante, atrofiam os pés. As pessoas não se dão conta disso e os negligenciam. Na verdade, eles são melhores amortecedores do que qualquer tênis que prometa maravilhas da tecnologia, mas que não passa de marketing — explica Sacco, que também é coordenadora do projeto “Biomecânica e aspectos funcionais do sistema musculoesquelético de corredores: efeito crônico de exercícios terapêuticos e do envelhecimento”, apoiado pela Fapesp e do qual participam, além da USP, a Universidade Federal do ABC (UFABC), a Universidade de Amsterdã (Holanda) e o Instituto Ortopédico Rizzoli (Itália).
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O trabalho mais recente do grupo é justamente o treinamento que reduziu de lesões. Intitulado “Foot core training to prevent running-related injuries: a survival analysis of a single-blind, randomized controlled trial” (Treinamento do pé para prevenir lesões relacionadas à corrida: uma análise de um teste cego e randomizado, em tradução livre), ele foi publicado no periódico The American Journal of Sports Medicine. Estima-se que 79% dos corredores sofrem algum tipo de lesão em um ano. Os resultados se aplicam a qualquer pessoa.
— As pessoas pensam que cuidam dos pés. Mas elas apenas tratam bolhas e mantêm cuidados estéticos. É preciso bem mais do que isso porque andamos calçados. Temos que fortalecê-los e procurar andar mais descalços, mas a maioria das pessoas tem esses membros tão fracos que precisa passar por uma fase de transição, com exercícios, antes de ficar mais tempo descalça — frisa a cientista.
Bom pra correr
Colocar os pés em forma é muito mais fácil do que parece. O programa de treinamento desenvolvido pelo grupo da USP consiste em três sessões por semana, de 20 minutos cada, com exercícios muito simples e que não requerem equipamentos especiais. Podem ser feitos até quando se vê TV.
Os resultados foram avaliados na diminuição das lesões e por meio de exames de ressonância magnética. Eles revelaram um significativo aumento de volume na musculatura dos pés. A metodologia já foi adotada em Alemanha, Holanda e Polônia para tratar pés de diabéticos, altamente suscetíveis a lesões.
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O estudo indicou ainda que os corredores não só sofreram menos lesões como ainda ganharam mais impulsão vertical. Ao melhorar a função dos membros, o treino também modificou positivamente a biomecânica da corrida.
— Realmente propusemos uma mudança de paradigma, de baixo para cima, priorizando os pés. O convencional é valorizar o inverso, isto é, a musculatura do tronco e dos quadris — observa Sacco.
Ela recomenda que as pessoas procurem andar descalças o maior tempo possível e procurem usar sapatos minimalistas, como as sapatilhas e tênis de solados flexíveis.
Uma pesquisa do mesmo grupo com pessoas com osteoartrite, uma condição comum que causa dores nos joelhos, indicou uma melhora 60% nas dores com o uso dessas sapatilhas, mais conhecidas como molecas e que costumam custar barato.
— Cuidar dos pés é fácil e proporciona uma vida mais confortável.
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